sexta-feira, abril 30, 2004

Pode bem ser



O filme Lost in Translation pode bem ser um filme discutível, mas é para mim um dos filmes mais comoventes dos últimos tempos. A simplicidade narrativa, que poderia chegar a ser tão-só mais um remake de um cliché de que nos amedrontamos, o das histórias de amor, acaba por alcançar uma narrativa muito mais profunda dentro de nós - e eu não sei contar esta história. Os actores são fabulosos. O cenário gigante. A extensão do dano interior vastíssima, paredes meias com a ironia, por vezes hilariante, da vida.
A tradução é uma longuíssima história, que permite desvios e contra-correntes, que deu que fazer a mentes brilhantes, como a Benjamin, que se celebrizou também por ela. Mas a tradução, como se vê em Heidegger, no Diálogo com um japonês, tem um horizonte incomportável na categoria da língua, ou mesmo da cultura. Há em nós comportamentos, pensamentos, medos, curiosidades, falhas, cansaços, que não traduzimos por serem nossos, mas aos quais procuramos dar sentido nos outros. Lemos um olhar, escolhemos um lugar para nos sentarmos, uma bebida, um movimento, uns sapatos, lemos as mãos, procuramos sinais - e tudo isso carregamos no que sentimos pelos outros, traduzido, equivocado, certeiro.
Hercúlea tarefa a de dar a ver, sem dar a ver que se quer dar a ver, o que é para ler e traduzir, sem palavras e sem muito mais que a simplicidade de um encontro em Tóquio. A mim comoveu-me. Mas pronto, a Charlotte também tinha estudado filosofia. E a minha vizinha japonesa afiançou-me: o filme não é cómico, porque Tóquio é mesmo assim...

P.S.

Só para dizer que segui a metodologia proposta por Alain de Botton, nas Consolações da Filosofia,que é um livro que não se pode deixar de ler

Metodologia

Felicidade - uma listagem de aquisições

1. Um canto



2. Amigos



3. Para evitar os superiores, paternalismos e o supermercado, um jardim



4. Pensamento


5. Uma incarnação do Amor de Caravaggio, cuja melancolia indica um sentido de humor crítico e a
espontaneidade da verdade (vestido)





A felicidade é impossível.

quinta-feira, abril 29, 2004

Rattle Sneak



Pronto. O João perguntou e eu tenho mesmo que falar disto, embora falhem as palavras, quando se quer falar de uma experiência rattlesneak! Há qualquer coisa de mágico que acontece. Eu explico - o melhor possível.
Tudo começa com a pesca dos bilhetes. Não há bilhetes para assistir ao Rattle. É chegar às bilheteiras no dia em que abrem para os concertos seguintes e ter tudo já esgotado, excepto um ou outro lugar impossível. Os concertos na Filarmónica podem custar barbaridades... A única hipótese é ir para a porta e esperar que, nos bilhetes de última hora que são vendidos a preços razoáveis a estudantes, haja uma sobra para a nossa vez. Entretanto, o apetite cresce...
Segue-se a experiência do edifício em si. A Filarmónica fica junto à Potsdamer Platz, com vista para a Neue National Gallerie, da autoria de Mies van der Rohe. O formato irregular do exterior, corresponde a alguma perda no interior, enorme, gigante, como se se entrasse numa caixa de música, precisamente onde ela ressoa.
O tempo passa. A ansiedade é enorme. As pessoas acumulam-se nos corredores, nas escadas, há um bruá contínuo, uma excitação no ar, como se todos fôssemos entrar numa cerimónia única e decisiva para as nossas vidas.
O Simon Rattle (Sir) é um senhor que me passaria despercebido na rua, não fossem os caracóis vivos que traz em catadupas. Parece desengonçado. Quase envergonhado. Tem um sorriso infantil que desconcerta. Volta-se de costas e transfigura-se.
Começa a magia.
A Orquestra Filarmónica, carinhosamente apelidada de "Phil", deixa-se conduzir por esta figura, precisa, sem excessos, que arranca das vozes, dos intrumentos, dos intérpretes, uma musicalidade cheia de cor, um tempo impossível para os instrumentos, um acontecimento brutal.
O silêncio é um choque. Ouvi Beethoven e Brahms, não sei que ouvi. Não era Beethoven, não era Brahms. Foi qualquer coisa de muito especial, que não é possível esquecer.
No final, depois dos aplausos loucos, furiosos, do êxtase da orquestra, do público completamente rendido, reina um silêncio sepulcral, porque todos queremos dali que a magia não acabe.


Eu tive a sorte de entrar pela "porta do cavalo", sneak sneak, duas horas de espera e chão para me sentar, porque não havia um único lugar livre. Bendita vizinha violinista...

quarta-feira, abril 28, 2004

A Parade parada



Berlim é famoso por muitas coisas, não especialmente pelas bolas - as de Berlim, propriamente ditas. Entre essas, destaca-se a Love Parade: uma manifestação discutível, de gosto também discutível, mas indiscutivelmente célebre, desde a sua origem. Chegam à cidade hordas de bárbaros, prontos a dar asas ao excesso de energia acumulado durante o ano inteiro, entre piercings e penteados radicais, com colour e style. Ya. Um ano é muito tempo. Sob um calor intenso, deixam-se purificar dos inúmeros hamburgers consumidos, bem como das respectivas batatas fritas. Ingerem cerveja em quantidades inimagináveis - só contablilizadas pelos serviços de limpeza - e depois movimentam-se loucamente ao som de música (?) tecno. Aliás, é essa a origem remota desta Parade: uma rave à escala urbana, sem tecto nem volume limitado.
Por detrás da Parade há uma organização, quer se acredite quer não. Ela provê à contratação de bons DJ's, homens de fibra capazes de pôr uma cidade inteirinha a mexer-se, normalmente com um calor abrasador. Ela provê também à colocação de WC's, cuja utilidade se menciona indirectamente no parágrafo anterior. E ela vive disso.
Acontece que este ano a cantiga que está a dar é mesmo a da crise...resultado: a acontecer, a Love Parade será provavelmente à mesma hora, no mesmo dia, noutro local.
A tradição já não é o que era. Talvez Berlim volte a ser.

terça-feira, abril 27, 2004

Global Groove


Nam June Paik, o pai da vídeo-art, está exposto (mesmo) no Deutsche Gunggenheim em Berlim. É uma retrospectiva com a vantagem de, num espaço exíguo, dar azo à gargalhada e ao sorriso. Valente.
Groovy.

P (de PP)

Estou preocupada. Se a moda pega e a continuarem as birras do (P)P, para o ano o slogan será
"Abril é Devolução."

segunda-feira, abril 26, 2004

O Salmão da Igualdade


"Tu tens fortuna e eu não,
podes comer salmão e eu só peixe miúdo,
mas temos em comum o facto
de ambos vermos a vida por um canudo."

Jorge Palma

sábado, abril 24, 2004

Um problema de arbitragem traduzido

Um dos mais conceituados jornais diários alemães, o Süddeutsche, trazia na quinta-feira um artigo sobre a operação "Apito Dourado". Ora, o mesmo fazia referência à informação vinda de Madrid - verdade! Como se não bastasse, houve um problema de tradução: é que de apito, passou a "assobio dourado"...
Das duas, três:
- ou os jornalistas (espanhóis e alemães) se recusaram a aceitar o excesso criativo da nossa Judite;
- ou o apito se referia, mesmo para a nossa inventiva PJ, ao assobio;
- ou "tradutor, traidor", que é como quem diz "bora lá buscar informação à fonte, boas?"

Não acredito.

Não pode ser. Se me estão a ler durante o fim-de-semana, não deveriam estar. Então e a Festa da Música no CCB? Coisa infame...e depois queixem-se que não se passa nada, que há um Prozac nacional e mais não-sei-quê. Fora eu avião, e já tinha aterrado na sala Hölderlin!
Ide, ide e trazei boas novas!

sexta-feira, abril 23, 2004

Sonho



Um sonho é um anjo de asas aprisionadas nos lençóis.

Roden Crater



"I want to create an atmosphere that can be consciously plumbed with seeing, like the wordless thought that comes from looking in a fire."

James Turrell

Vexata

Entre os eixos do João, e os nossos seixos, a quaestio é só vexata e não mais disputata...
E como diria o povo,Joãozinho, há-des cá vire...

Auto-retrato, no dia do livro, sobre a pintura, por um fotógrafo

He [Cartier-Bresson] settles into a room of Bonnards and relates one of his favorite anedoctes about the time he photographed Bonnard. It involves the importance of intuition. In 1944, he says, he stayed with Matisse at Vence, then for a week with Bonnard at Le Cannet. "We were chatting, and mostly he was quite silent," he says of Bonnard. "Suddenly, when I raised my camera, he put his scarf over his face. So I put my camera down. Finally, I managed to take a picture and he asked, "But why did you take it at that moment, why?" And I said, "Excuse me, but why have you just put that yellow there?"

[...]"You know Picasso didn't like Bonnard, and I can imagine why, because Picasso has no tenderness. [...] To me, he [Bonnard] is the great painter of the century. Picasso was a genius, but that is something quite different."

MICHAEL KIMMELMAN, Portraits. Talking to Artists at the Met, the Modern, the Louvre and Elsewhere,The Modern Library, NY, 1999, pp. 131-132.

quinta-feira, abril 22, 2004

Sugestão à Direita

E se em vez de Abril fosse Barril?

Sugestão à Esquerda

E se em vez de Abril fosse Baril?

Pedido

Boa tarde. Era só para pedir ao Ministro Portas que compre um que não meta água.

Criatividade

A PJ surpreendeu-nos. Não foi só a operação desencadeada, foi a designação encontrada para a mesma: "apito dourado". Aliás, foi sobretudo a designação, que a operação, essa, não parece ter surpreendido ninguém...
Consta que está já em preparação a próxima mega-estreia da PJ: "Operação em busca do cérebro perdido".
Keep up the standards, boys!

Era só uma ideia

Que tal perguntar aos investigadores a viver no estrangeiro que condições os fariam regressar a Portugal?
Pronto, era só uma ideia...

Memória curta

A Ministra da Ciência diz que conhece uns 100 investigadores que preenchem as condições para atribuição de apoio financeiro, no regresso a Portugal. No tempo do PS, chamava-se a isso Jobs for the Boys.

Contar

Se os dedos contassem os medos, tínhamos que ter mais uma mão, para os sossegar.

quarta-feira, abril 21, 2004

A Ressurreição

Numa reflexão sobre o futuro das japonesas, a exposição "My Grandmothers",Miwa Yanagi apresentava um caminho...

A Morgadinha dos Canaviais

"A Morgadinha dos Canaviais
Autor: Júlio Dinis

Também neste romance o ambiente é campesino. Mas tem uma intenção social, a par do aspecto do romance, o que lhe dá actualidade."

A nossa Morgadinha, a dos processuais, também está envolvida no romance campesino, o da relva futebolística, também com uma intenção social, enredada na espessura romanesca.

Nunca a realidade esteve tão próxima da ficção...

Peís

O meu país são os meus pés.

terça-feira, abril 20, 2004

Ligar a luz

Alguém se importa de ligar a luz? Às vezes a noite leva muito tempo.

Por Lapso

Por lapso, o Público on-line não disse:
"Valentim Loureiro diz que desconhece qual dos muitos motivos é o desta detenção".
O problema do desconhecimento deriva da profusão de razões e não da sua inexistência. Não será?

Time Out

O futebol não é coisa que me interesse directamente e não fossem as intricadas relações com a política, nunca lá teria chegado. A verdade é que sempre se lhe puderam aplicar os velhos e sábios ditados portugueses: mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo, a justiça tarda mas não falha, quem tudo quer tudo perde -e assim por diante.
Agora, à sombra do piroso epíteto da PJ, a operação prossegue, doa a quem doer.

Já cá faltava qualquer coisinha para nos livrar da Casa Pia.
Um grande bem haja aos agentes da nossa Judite!

O buraco 19

Deus Pinheiro deu início à Campanha

.

Anselmo, eis a tua porta

No Palácio de Belém, há alguns anos, estava escrito a grafitti o nome Anselmo, numa porta. Daí ao título foi um instantinho. Porque em companhia inteligente, a vida corre depressa no cérebro e dá bastante vontade de rir.
Hoje, a companhia vira mestre. Andava no Desejo Casar, esse blog insolvente ou dissolvido, e agora anda no Desejo Crescer, que é um caminho muito mais comprido e muito menos divertido, convenhamos.
Ich freue mich darauf, .... que é como quem diz - tou aqui bem aflitinha para que tudo te corra bem, Miguel.
A blogosfera perdeu um dos seus melhores postistas, a vida ganha um mestre.

Que se faz

O poeta fez-se
cantor pintor lavrador professor doutor auscultador dor director aspirador contador gravador inventor
e depois desfez-se.

segunda-feira, abril 19, 2004

Mitte: chez Monsieur Vuong

Berlim é a cidade por excelência das experiências multi-culti. Temos tempo de aprender o nome da capital da Mongólia e de voltar a esquecê-lo. Tudo isto, muitas vezes.
Mitte é uma das zonas de Berlim, um dos esquartejamentos geográficos que lembram vagamente a existência de um muro, a referência para desenhar, num mapa, a existência irreal de uma cidade dividida. Mitte pertencia ao antigo Leste e pertence agora ao novo Leste. As coordenadas do espaço não desaparecem enquanto se mantêm os traços visíveis do seu rasgamento.
O novo Leste foi reinventado como conceito: queria construir-se aí um Soho europeu, qualquer coisa que alimentasse o fervilhar de uma cidade que explodiu de si anos de controlo e contenção. Quando o muro começou a desaparecer, deu-se início ao processo de esventramento e demolição em massa de edifícios comunistas. Fizeram-se inúmeros investimentos, mas, hélas!, as pessoas não quiseram avançar, os prédios novos estão vazios e a heterogeneidade da paisagem instalou-se: lado a lado, coexistem edifícios degradados, a ameaçar falência, com peças arquitectónicas inventivas, para admirar em pleno, esvaziadas de qualquer promessa de habitação. Foi a especulação, segundo os analistas, que afastou os artistas e seus confrades da zona: as casas têm preços proibitivos e a zona não sofreu a intervenção - também social - que se anunciava. Fora de causa, pois, reunificar aí...
Assim, sobrevive o bairro com a vida emprestada de outras partes de Berlim. E sobrevive bem. Sempre cheio de gente, Mitte é uma das zonas mais in, ou mais trendy, porque se convive com o trash e com a surpresa, numa versão moderada do que o Ocidente comporta: chic a valer, caro que se farta!
Há um sem-fim de restaurantes nesta zona, bares, lounges de toda a forma e feitio, livrarias, lojas de roupa, tudo o que se possa consumir sem dor e sem ter que fazer contas à vida. Lá no meio, há um restaurante vietnamita único: o Monsieur Vuong.
No final da Alteschönhauser Strasse, avista-se um toldo vermelho, debaixo do qual estão os convivas mais ousados, que jantam cedo e aproveitam um bocadinho das tardes mild de Abril. Lá dentro, um enorme balcão central, onde uma trupe de empregados vietnamitas trabalha que se farta: à volta, com uma janela sobre a cozinha, uma longa mesa redonda, onde nos sentamos lado a lado com uma amostra fashion de Berlim.
Vem cumprimentar-nos à chegada o próprio senhor Vuong, um vietnamita entradote, pequenino e sorridente, que exibe nos braços o que resta de uma pilha de músculos de outrora. Os mesmos estão expostos - salvo seja - num retrato gigante do Vuong enquanto jovem na parede. Um largo cumprimento de vénia, só quebrado pelo embaraço de um shake hands ocidental.
A comida é uma delícia. Atestam-no os muitos clientes que, em pé, fazem uma enorme fila à entrada. E também o tempo que demora a ser servida...feitos na hora, só há dois pratos por dia, um de carne e outro de peixe. Mas, como não podia deixar de ser, o forte são duas ofertas de sopa vegetariana que, não tendo eu arte culinária para descrever de que constavam, resta investigar no site.
O momento final, a dolorosa portanto, traz outra surpresa. O Monsieur Vuong, salvo seja, é baratíssimo. Uma lição em Mitte: se as casas estão vazias porque as rendas são incomportáveis, as ruas estão cheias porque há por aí Vuongs que valem o sucesso que fazem.
Bon appétit!

O LINK que nos faltava!

Vale a pena, senhores e senhoras da investigação! Toca a clicar no link, para fazer pesquisas na nova Biblioteca do Conhecimento On-Line:
Vivá Coltura!

A Jogada

«Estou contra o sistema que nos governa e consegui encontrar o instrumento por excelência da contestação: o voto em branco.»
José Saramago, candidato ao Parlamento Europeu nas listas da CDU, Expresso, 3 de Abril

«Se a ideia do voto em branco fosse seguida pelos portugueses, nós conseguíamos eleger os 24 eurodeputados.»
Carlos Carvalhas, Expresso, 3 de Abril

.

Estupidez da alma

"É inútil dizer o que se pensa.
Se é frouxa a frase, é nada; e é vã se é intensa.
Cada um compreende só o que sente,
E entre alma e alma a estupidez é imensa."

Fernando Pessoa

Silêncio

Silêncio é dizer ao contrário as palavras de sentido obrigatório.

sexta-feira, abril 16, 2004

Reumatismo

O Homem não suporta sempre a mesma esposa, nem o mesmo Deus. É um nómada de origem. Parado, degenera em bicho doméstico ou reumático, - aborrecido. Destila negro.

Teixeira de Pascoaes

Eu não queria, mas...

...vocês obrigam-me! Por respeito pelo público (mesmo, não me refiro ao jornal), abstive-me de comentar as notícias acerca dos incentivos que serão criados para seduzir a massa crítica nacional a regressar ao pátrio berço. Parece que a fuga de cérebros só agora foi detectada, provavelmente por um qualquer perdido cérebro remanescente...
A FCT, instituição que prezo e sobre a qual tenho algumas ideias, subsidia todos aqueles que quiserem enriquecer a sua formação, a partir de um nível universitário mínimo. Fá-lo por meio de bolsas de investigação e atribuição de prémios, mas também através da promoção e apoio a todos os centros de investigação existentes nas Universidades e Laboratórios do Estado. Recentemente, foi lançado um programa que pretende inserir a massa crítica superiormente formada no meio empresarial. Um achado. Mas a custo: as empresas pagam, pelo mesmo trabalho, salário superior. Mesmo que de início este seja parcialmente suportado pela FCT, assim que esse apoio terminar, o trabalhador de primeiríssima classe vai parar ao desemprego.
As empresas que não estão vocacionadas para R&D (research and development) não estão interessadas em empregar investigadores. Elas não têm os recursos, as infraestruturas, e portanto, assim que a FCT deixar de subsidiar, é ver o doutor pelas costas...e se alguma vez o dito tiver posto as mãos na massa, terá sido um num milhão. Isto, para não falar dos inúmeros mestres e doutores das Ciências menos Exactas...os historiadores, filósofos, estudiosos de literatura e afins, que lugar têm eles nas empresas? Acreditando que têm - e é minha convicção - isso deriva, não da sua especialização em mestrados e doutoramentos, mas antes da sua formação ao nível da licenciatura. Assim, as empresas colhem proveitos de uma formação anterior (e para o Estado mais barata, convenhamos...), sem que o mestre ou doutor venha alguma vez a desempenhar qualquer cargo que tenha remotamente a ver com o que andou a estudar, financiado pela FCT.
Quanto às Universidades, aqui, curiosamente, o debate está encerrado. A super-sónica passagem de Ferreira Leite pelo Ensino, que deixou atrás de si uma verdadeira "Wasteland", não permite praticamente novas contratações. Além disso, a "massa (em estado) crítico" que compõe a Universidade está numa faixa etária que lhe permite a subsistência por mais uns 20 anos. O número de alunos diminui a cada ano que passa. O futuro não permite vislumbrar qualquer porta aberta para novos mestres ou doutores no intervalo. Com a agravante de que, a cada ano que passa, o seu número aumenta vertiginosamente, para júbilo das autoridades que se põem em pontas dos pés para alcançar a média europeia, e devastação do futuro de todos aqueles que um dia acreditaram que era possível seguir um caminho académico.
Ora, para concluir, que isto está a ficar muito negro..., não seria mais sensato começar pelas Universidades? Elas estão já, pelo menos inicialmente, dotadas das infraestruturas necessárias à investigação, conhecem as técnicas, os procedimentos, têm o conhecimento e a experiência acumulada de muitos anos e muito trabalho - não faria mais sentido reforçar e dar novo ânimo a essas unidades? E, depois sim, vender os serviços a empresas, como tecnologia ou saber?
Regressar, todos mais tarde ou mais cedo desejam. Mas os cérebros que pensam, recusam embarcar em mais um sonho irrealista.
.
É mais fácil cumprir o objectivo para o qual as universidades foram inventadas, do que distorcer o objectivo para o qual as empresas se criam.

O Futuro já não é o que era

Na Bienal de Berlim, este ano originalmente sobre Berlim, para aprender a falar sobre o passado, um longo filme finlandês reportava, do final dos anos 60 e 70, todas as fortes convicções sobre o futuro, bem como as respectivas invenções, oriundas desse longínquo e frio território do norte.
Entre a electrónica e as dissidências com o mundo académico, uma afirmação parece constante: aos olhos de então, o nosso tempo tem apenas más desculpas para existir. Que é feito dos sequenciais andrométricos e das sinestesias controladas por vídeo e órgão?
Ó presente decepcionante!...
Future is not what it used to be, 2002, Mika Taanila (1965), Helsínquia

quinta-feira, abril 15, 2004

"Radical Xiita Disposto a Negociar Sem Condições Enquanto Americanos Cercam Najaf "

O Público anuncia. E eu pergunto - que é isso de negociar sem condições? Será como o caso português na Europa? Somos bons nisso, nunca perdemos, mesmo quando somos claramente vencidos. Não seria boa ideia mandar para lá o Ministro da Agricultura, que é um pró nestas matérias? Dois coelhos...

Saudade

A saudade é como deixar para trás uma coisa da alma ligada à electricidade.

Música para os ouvintes

Se Bach é bom, Beethoven melhor e Chopin prá pior, valha-me a minha Klingeln, ao fim de 3 meses: compositora de poucas notas, a campainha da porta aí está - e funciona! Como esta música deleita os ouvintes na expectativa de correio, notícias, visitas!... Ah, a eficiência...

quarta-feira, abril 14, 2004

Para além do Spree

Para a Mary

Às vezes é preciso coragem para encontrar o outro lado
das coisas que parecem chatas
como o sol desenhado para iluminar partes de folhas infantis.
Despeja do lar esse ventrículo doloroso
e vem cá ver como a geometria
dos sólidos e gasosos se mede
com a alegria de seres.

terça-feira, abril 13, 2004

Sem sabermos bem porquê

Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa


José Tolentino Mendonça

Xuldigum

Era só para pedir aos leitores paciência, enquanto aprumo o meu blog. Ando às voltas com os links, os comments e os posts, portanto volta e meia a coisa não funciona. Hélas!
Xuldigum, sim?

Meninos, não tentem isto em vossas casas

Na ressaca das festividades Pascais, volto com profundo repúdio pelo último filme de Mel Gibson, "A Paixão". Considero-o só como uma coisa que me aconteceu...e as razões são várias:
1) o problema da violência não é um problema em si, mas um problema para mim, pelo que este não é um motivo de desgosto que possa ser enunciado simplesmente. O problema da violência vem agregado a uma opção estética que, neste caso, vem embrulhando uma opção de marketing - veja-se a elevadíssima procura do filme nestas datas. Caso para dizer, que é um "filme de época";
2) a questão da reconstituição histórica e da verdade é uma conversa que já tem barbas. Um filme que se tome por reconstituição histórica não é um documentário post mortem, é um testemunho para o futuro. Se mesmo o fotojornalismo está pejado de preconceitos e escolhas que nos dão a ver apenas o que se considera "digno de ser visto", por que razão teria um filme mais direito a reclamar-se como "verdade" ou "história"?
3) depois, uma reconstituição histórica não é um produto: é uma opção fílmica que pode desembocar nas mais variadas formas. A narrativa da paixão de Cristo não nos dá, imediatamente, nenhuma directiva sobre a forma como encená-la. Mais uma vez se revela como a estratégia de venda do filme se apoia numa crença ingénua de que esta história, sim, esta história é que é verdade, porque reitera o que está na Bíblia e não o contrário;
4) toda a máquina de produção deste "objecto" está vocacionada para a confusão entre a verdade, a tensão religiosa do momento da Páscoa e o demasiado consumo da televisão - porque, a acreditar nos jornais, o filme levou uma multidão, na Austrália, à igreja...
Se o fenómeno se propaga, é caso para começarmos a pensar nos avisos pós Super-Homem: meninos, não tentem isto em vossas casas.

quinta-feira, abril 08, 2004

O problema da "coisa pública"

O presidente do Bundesbank não teve alternativa: demitiu-se. O senhor em questão foi passar uma bela passagem de ano com a mulher, dois filhos e a namorada de um deles, ao hotel Adlon, aqui em Berlim. Espreitava-o uma maravilhosa vista, à esquerda a Potsdamer Platz, à direita Unter den Linden, e mesmo em frente, a Quadriga, essa belíssima encenação da Vitória, que - ainda me hão-de explicar porquê - está de costas voltadas para o Ocidente. Tudo isto à boca das Portas de Brandenburgo, sobre as quais se encontra a dita quadriga.
Ora, que temos nós a ver com o assunto?
Nada, não fosse o senhor ter tido uma piquena distracção: não é que a conta, que perfazia uns 7 000 euros, foi parar ao Dresdner Bank, que a pagou? Mas que coisa!
E que coisa pública. Pois de púdica, não tem nada.
Pode mandar mais postais, senhor Welteke. Tem uns dias a gozar no descanso do lar.
E agora?...agora ganha um lugar privilegiado numa qualquer assembleia geral de uma qualquer hiper-multinacional, e também essa passagem de ano já ninguém lha tira.
Ao menos que a coisa fosse pública...e democrática - mesmo pra todos.

quarta-feira, abril 07, 2004

Paisagem com torre ao fundo

O que me dói não é de ontem, nem de hoje, não está no meio,
O que me dói agora é este sol diluviano
Que não dá tempo para lançar a arca da janela
Aterrar no guindaste aqui sito
E juntar as plantas em pares, para salvar a humanidade -
Rego-as, para as salvar com humidade

O que me dói é este sol nos olhos, por entre as pestanas
Como mãos que avançassem a abrir as pálpebras
Numa manhã de exército
Tudo aos gritos
Cedo demais, mesmo para orar
(Só conheço o allah minuta)

O que me dói é este e não outro sol, que se mexe e insiste
Quando o sol lhe dá pra isso
Não há quem lhe resista à luz,
Além disso não conheço nomes de flores
E nunca fiz uma barca
A arca jaz lá em baixo, no depósito do lixo
O que tivesse, tinha tido
Porque os tempos verbais não mentem,
Apesar do infinitivo não levar assim tanto tempo
Fico no sofá a admirar
Como este sol me persegue em movimentos de gata
Se me deito, adormece
Se me levanto, mata

Suspensão da Querença II

Nos dias que correm, tendo sido anunciado o recorde de desemprego na Alemanha, que cresce como bolo hiper-fermentado, talvez a Fenomenologia fizesse mais sucesso com uma époché do género "suspensão da querença", porque a querença, essa sim, dá-nos a exacta dimensão da realidade...
No dia em que "nada querer" não custar nada, o capitalismo terá alcançado a sua coroa e podemos todos ir para casa. Levem a bicicleta!
Sursum corda, que é como quem diz "ou a surdez ou a corda".

Suspensão da crença I

A Fenomenologia, seguindo os passos de Descartes, esse amável filósofo que escolhia o frio e à morte dele sucumbiu, promoveu o conceito de "epoché". É porquê? Bem, parece que para atestar da verdade da existência, é preciso passar por esse penoso momento de suspender a crença na existência do mundo. Depois, podemos voltar a refundar tudo, tal como existia, antes de mais...
O Bolas de Berlim auto-suspendeu-se, num exercício tardio de auto-flagelação, para ver se existia.
O Bolas de Berlim atesta que afinal era só coisa de beliscão.

quinta-feira, abril 01, 2004

Dixit

O recheio numa bola de berlim é como ter flores no jardim.

Cheio de recheio

A primeira consideração a tecer é o que é estar cheio, depois multiplica-se por muitos e temos recheio. Porque o recheio é uma espécie de excesso de cheio. Demasiado conteúdo, resulta na necessidade de um continente, para evitar a incontinência. Desse ponto de vista, estar cheio de recheio, pode significar ter um perigo nas mãos. Por isso também a excentricidade adoptada quando se come uma bola de berlim. A boca cheia de recheio e o recheio a escapulir-se por outra extremidade. Lá está, é um dos casos mais frequentes de incontinência.
Numa bola de berlim - das que se comem em Lisboa - o que é o recheio? Será que a massa interior, que não foi objecto de contacto próximo com o óleo é já o recheio daquela que, pelo contrário, se apresenta dourada e estaladiça, coberta de açúcar? E será que o creme de ovos não é antes o recheio dessa massa que é recheio dessa crosta? Recheio de recheio?
Recheio bem que sim...

Voilà!

Foi assim, numa tarde solarenga e para os berlinenses quente nos seus 12 graus, que recebi a primeira manifestação de impaciência face ao meu blog. Já vi que nos outros é costume ir ao google ver quantas pessoas andaram a pesquisar, eu sou mais caseira, mais bolos, e portanto a reclamação tem origem familiar. Enfim, aparentada ou não, a queixa formula-se deste modo, que passo a citar:

"nesse mar de bolas de berlim, feito do açúcar que as envolve, do óleo
que as fritou, das muitas mãos que lhes passaram por cima, ao lado, com
mais ou menos interesse ou carinho, para já não falar dos apalpões
sofridos, não vislumbro teorização alguma sobre o problema que, nas bolas
de berlim, muito me interessa: recheadas ou não?
Não me refiro à infinidade de recheios de que dás conta no desespero da
impossibilidade de lutar contra a diversidade do mesmo mas sim à
questão mais básica, imediata e palpável - na verdade deveria dizer
degustável (ou, no mínimo, "do palato"! enfim, que seja como quiseres) - de
ter ou não ter recheio.
Voilá! Eis a questão!"


Um Blink

Um blink é um piscar do olho para o refrescar ou pela frescura de nos metermos com alguém. Links de blogs são blinks. O primeiro que vos ofereço foi o que me levou a redimir os blogs em geral e o meu em particular - era o DesejoCasar que, por razões mais ou menos obscuras, declarou insolvência. Dissolvo-o nos blinks mas não na memória. Também queria dizer isto, a bem da verdade.
Xusse.

Ó João, desculpa lá

Tenho um amigo que é o João. O João é um arquitecto muito especial. Só faz o que não lhe provoca danos de alma. O João tem um blog. Muito giro, por sinal. O João é de esquerda. O João acha que eu sou uma reaccionária. Eu também não. Respeito muito o João. Por isso quero que seja público que o meu mote "Entre ti e o mundo, escolhe outra coisa qualquer" é um plágio. Só que o mote do João é "entre ti e o mundo, escolhe o mundo".
Ó João, sou mais revolucionária do que isso...
Com os meus cumprimentos, vénias e desculpas, aqui fica a verdade.
Para quem quiser ver, é um blink: o da pesada.
Como te fiz propaganda, pode ser que me desculpes.
Óviderzin.

Da Cegueira à Lucidez, num ataque de estupidez

Confesso que ainda não li o "Ensaio sobre a Lucidez" de Saramago, a sua última invectiva no território normalmente adormecido destas massas amorfas que cultivam a democracia. Também confesso que já li esta notícia sobre o Saramago há uns dias e que nem sequer achei digno de nota, depois do nosso prémio de trazer por casa ter completamente falhado o alvo quando andou a visitar o amigo Arafat. Cada cavadela, cada minhoca...
Mas isto dos escritores é uma chatice, a gente lê-os e gosta e depois não sabe como se há-de livrar do mal. Um dia disseram-me que às vezes os pensadores não estão à altura do seu pensamento, o que aliás era sobre salvar o Heidegger da condenção. Claro que Saramago discordaria. E a Agustina, por exemplo, que gosto de guardar no bolso do avental de cozinha, por ser o mais recôndito lugar das mulheres dela, a Agustina que eu leio em duas horas, sequiosa da próxima página - essa mulher horrível que apoia o senhor Lopes quando se lhe pede que venha a público apoiar qualquer coisa, para a Agustina eu diria "cada tiro cada melro", por se adequar mais à sua esfera rural. Os alemães não gostam dela, porque não lhe percebem o recheio com travo a vinho do Porto. Eu devoro os seus livros e depois regurgito a autora.
Isto tudo não para insultar a literatura, que essa bem pode rir-se de mim, mas para dizer que estas pessoas são levadas demasiadamente a sério, em primeiro lugar por elas próprias. Quem já tirou o som à televisão, quando ouve o Saramago, quem ousou fazer esse primeiro ensaio sobre a surdez, terá decerto tido dificuldade em esconder o riso. Só aqueles que não pertencem à paróquia, diria o Bergson, neste caso os "companheiros, amigos, palhaços", só mesmo esses resistiriam.
E agora, se caminharmos ao contrário de Saramago, esse ser extraordinário que caminhou da cegueira à lucidez sem deixar o PC (feito de tal ordem notável, que permanece sem comments), se caminharmos da lucidez para a cegueira, tirarmos a imagem do Saramago e deixarmos a sua voz a ecoar as suas verdades profundíssimas e demasiado rápidas - que tipo de ensaio faremos?
Eu atrevo-me: teremos no mínimo mergulhado na obra-prima do mestre, o último ensaio possível - desta feita sobre a estupidez. É um daqueles raros momentos em que as obras-primas do mestre se transformam nas primas do mestre-de-obras.
José Saramago, militante do PC e escritor, premiado com o Nobel, aventura-se ao Parlamento Europeu. Caminhou da cegueira à lucidez, diria eu, não fosse o caso de ser candidato pelo PC. Mas mais: sem deixar de ser comunista, como é possível que ele só agora tenha descoberto a sua incompatibilidade com a democracia?
Pois é, senhor José, o camarada precisava de uma viagem no tempo, para matar as saudades dessa velha União Soviética que tanta alegria trouxe aos trabalhadores de todo o mundo. Bem haja pela recordação. Se um dia me tornar metalúrgica, voto em si. Ou talvez não, porque o seu nome não é "Branco".
Quem é o "Branco", afinal? Quem é esse gajo?


Dr. Jay's