A ópera no canal 18
A Ópera de Mozart "Die Entführung aus dem Serail" é considerada como uma das peças mais populares do compositor. Normalmente, é encenada como comédia de costumes, tendo por pano de fundo um palácio turco, ao jeito do imaginário "Mil e Uma Noites".
Ora, o encenador Calixto Bieito, que tem deixado polémicas por onde tem passado, resolveu encenar este texto ao seu modo: diz ele que só faz o que reconhece nas peças. E fá-lo "realmente". Ou deveríamos dizer realisticamente?
É que em vez do palácio turco temos um bordel, em vez da Turquia temos uma cidade contemporânea, com sexo, drogas e violência qb, embora falte o rock&roll, porque enfim a peça sempre foi escrita antes da sua invenção... O resultado é um público dividido e um patrocínio retirado: o público ou se quer ver livre do catalão, ou o proclama um génio. A crítica é, em geral, demolidora. E nem a habitual abertura de espírito de Berlim parece querer salvar a obra...
O Welt aclama o catalão como encenador de teatro, mas rejeita-o em absoluto na Ópera. Aliás, o título do artigo que lhe é dedicado diz tudo: "O encenador Calixto Bieiro é o moralista-sexual da Ópera". E continua: "Carne nua, sexo, tortura, morte, profanação dos mortos e violação: tudo isto transfomra o catalão no próprio Lúcifer e no Exterminador implacável da Ópera." Para contrastar, descrevem-no como um homem dócil e esperto, profundamente católico e de educação jesuíta. Só para o descompor logo a seguir, chamado-lhe "socialista radical" e aproximando-o de Buñuel com quem o próprio diz identificar-se.
O Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) é menos cáustico, mas mais sarcástico. Começa por dizer que não é preciso esperar 10 minutos para assistir à primeira cena questionável: a primeira área é cantada sob o duche (mesmo), por um cantor só coberto por um "pullover natural"... Mas isto é apenas o começo do derramar de líquidos, tais como sangue, esperma e urina, aos quais o encenador se atém... Segundo o FAZ, o público está dividido: há aqueles que acham a encenação escandalosa, seja qual for a justificação artística, imaginando que Mozart terá dados umas quantas voltas na tumba, e os outros que acham que Mozart até se teria divertido. A questão permanece polémica e, diz o jornal, que as facções Buh e Bravo só chegam a um empate a zero...
Esse mesmo artigo questiona depois abertamente as opções do encenador, para acabar dizendo que ele cede à tentação do escândalo demasiado facilmente. Aliás, esta ópera teria sido composta com um propósito moralizador e não propriamente como provocação sem mais.
Sobra uma última questão: parece que a Daimler-Chrysler não quer ver o seu nome associado a esta encenação, tendo retirado o patrocínio à Komische Oper. Entre aqueles que bramam "muito bem" e que se espalham por toda a imprensa de consumo fácil, que essa sim assume a defesa e o controlo da moralidade acima de tudo, há felizmente ainda aqueles que perguntam até que ponto é que um patrocinador tem ou não o direito de intervir, mais ou menos directamente, nos espectáculos que apoia. É a independência do critério artístico que se quer proteger, acima de tudo, mesmo quando dele se discorda - e parece ser o caso.
Assim, caros Marretas, só me falta mesmo ir ver...
Para presenciar as cenas hilariantes que os jornais também descrevem: entre debandada dos espectadores e pedidos de reembolso, há quem grite, do público, após uma morte em palco: "a seguir vai o encenador!"
2 Comments:
A marretada agradece a crónica da "imbiada". Depois de ler o post já nem preciso de ir ver a ópera.
Obrigado
i beg to differ. a minha curiosidade ficou aguçada.
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