segunda-feira, agosto 30, 2004

Do dia para a noite

Sábado. Já tinha acontecido em pleno Inverno e, como na altura me tinha passado pela cabeça, deveria repetir-se no Verão. Foi a "Lange Nacht der Museen", uma noite diferente para os museus da cidade de Berlim que estiveram abertos até às 2 da manhã. Para ajudar, há percursos organizados entre museus, a pé, de bicicleta, ou de autocarro. E há também bilhetes diferenciados, consoante o número de museus que se queira visitar, ou consoante os percursos sugeridos.
Na raiz desta proposta está a ideia de que um museu, à noite, é "outro museu". E embora as hordas de visitantes a par de alguma histeria escondam o lado mais sedutor da escuridão e do silêncio, é verdade que o museu, à noite, é "outro museu".
Estando habituados à luminosidade artificial ou filtrada no interior desses espaços quase sagrados, raramente nos apercebemos de que existe uma luz que faz parte do museu. A luz é ingrediente da nossa experiência de visitantes. Um ingrediente silencioso, é certo, mas indispensável, normalmente estudado até ao mais ínfimo pormenor, criado para servir os nossos olhos, os olhos de quem procura, no que vê, uma identificação (consigo? com o mundo? com um estado de alma? com uma enciclopédia?)
Ora, nesta experiência noctívaga o que acontece é que pouco muda nos museus onde a luz é artificial...e no entanto, esperar à entrada sob um céu escuro de noite e sair para as estrelas onde os olhos não precisam de se habituar a nada é proporcionar uma continuidade entre esse interior, o espaço, esse interior, a história, e esse interior, os nossos olhos... como se todo o nosso mundo se rodeasse desse silêncio cheio de mistérios que são as obras expostas, nos seus motivos, inquietações ou afirmações peremptórias, interrogações, medos, perdas, risadas, ironias...
A noite transforma-se num enorme átrio de museu, onde circulam as "nossas peças": por detrás de um sorriso silencioso, há um museu imaginário que pertence ao segredo de um imenso céu escuro, escuro. Como o sorriso pertence a uma recordação doce que se torna viva ali mesmo.



Dr. Jay's