Mitte: chez Monsieur Vuong
Berlim é a cidade por excelência das experiências multi-culti. Temos tempo de aprender o nome da capital da Mongólia e de voltar a esquecê-lo. Tudo isto, muitas vezes.
Mitte é uma das zonas de Berlim, um dos esquartejamentos geográficos que lembram vagamente a existência de um muro, a referência para desenhar, num mapa, a existência irreal de uma cidade dividida. Mitte pertencia ao antigo Leste e pertence agora ao novo Leste. As coordenadas do espaço não desaparecem enquanto se mantêm os traços visíveis do seu rasgamento.
O novo Leste foi reinventado como conceito: queria construir-se aí um Soho europeu, qualquer coisa que alimentasse o fervilhar de uma cidade que explodiu de si anos de controlo e contenção. Quando o muro começou a desaparecer, deu-se início ao processo de esventramento e demolição em massa de edifícios comunistas. Fizeram-se inúmeros investimentos, mas, hélas!, as pessoas não quiseram avançar, os prédios novos estão vazios e a heterogeneidade da paisagem instalou-se: lado a lado, coexistem edifícios degradados, a ameaçar falência, com peças arquitectónicas inventivas, para admirar em pleno, esvaziadas de qualquer promessa de habitação. Foi a especulação, segundo os analistas, que afastou os artistas e seus confrades da zona: as casas têm preços proibitivos e a zona não sofreu a intervenção - também social - que se anunciava. Fora de causa, pois, reunificar aí...
Assim, sobrevive o bairro com a vida emprestada de outras partes de Berlim. E sobrevive bem. Sempre cheio de gente, Mitte é uma das zonas mais in, ou mais trendy, porque se convive com o trash e com a surpresa, numa versão moderada do que o Ocidente comporta: chic a valer, caro que se farta!
Há um sem-fim de restaurantes nesta zona, bares, lounges de toda a forma e feitio, livrarias, lojas de roupa, tudo o que se possa consumir sem dor e sem ter que fazer contas à vida. Lá no meio, há um restaurante vietnamita único: o Monsieur Vuong.
No final da Alteschönhauser Strasse, avista-se um toldo vermelho, debaixo do qual estão os convivas mais ousados, que jantam cedo e aproveitam um bocadinho das tardes mild de Abril. Lá dentro, um enorme balcão central, onde uma trupe de empregados vietnamitas trabalha que se farta: à volta, com uma janela sobre a cozinha, uma longa mesa redonda, onde nos sentamos lado a lado com uma amostra fashion de Berlim.
Vem cumprimentar-nos à chegada o próprio senhor Vuong, um vietnamita entradote, pequenino e sorridente, que exibe nos braços o que resta de uma pilha de músculos de outrora. Os mesmos estão expostos - salvo seja - num retrato gigante do Vuong enquanto jovem na parede. Um largo cumprimento de vénia, só quebrado pelo embaraço de um shake hands ocidental.
A comida é uma delícia. Atestam-no os muitos clientes que, em pé, fazem uma enorme fila à entrada. E também o tempo que demora a ser servida...feitos na hora, só há dois pratos por dia, um de carne e outro de peixe. Mas, como não podia deixar de ser, o forte são duas ofertas de sopa vegetariana que, não tendo eu arte culinária para descrever de que constavam, resta investigar no site.
O momento final, a dolorosa portanto, traz outra surpresa. O Monsieur Vuong, salvo seja, é baratíssimo. Uma lição em Mitte: se as casas estão vazias porque as rendas são incomportáveis, as ruas estão cheias porque há por aí Vuongs que valem o sucesso que fazem.
Bon appétit!
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