sexta-feira, abril 16, 2004

Eu não queria, mas...

...vocês obrigam-me! Por respeito pelo público (mesmo, não me refiro ao jornal), abstive-me de comentar as notícias acerca dos incentivos que serão criados para seduzir a massa crítica nacional a regressar ao pátrio berço. Parece que a fuga de cérebros só agora foi detectada, provavelmente por um qualquer perdido cérebro remanescente...
A FCT, instituição que prezo e sobre a qual tenho algumas ideias, subsidia todos aqueles que quiserem enriquecer a sua formação, a partir de um nível universitário mínimo. Fá-lo por meio de bolsas de investigação e atribuição de prémios, mas também através da promoção e apoio a todos os centros de investigação existentes nas Universidades e Laboratórios do Estado. Recentemente, foi lançado um programa que pretende inserir a massa crítica superiormente formada no meio empresarial. Um achado. Mas a custo: as empresas pagam, pelo mesmo trabalho, salário superior. Mesmo que de início este seja parcialmente suportado pela FCT, assim que esse apoio terminar, o trabalhador de primeiríssima classe vai parar ao desemprego.
As empresas que não estão vocacionadas para R&D (research and development) não estão interessadas em empregar investigadores. Elas não têm os recursos, as infraestruturas, e portanto, assim que a FCT deixar de subsidiar, é ver o doutor pelas costas...e se alguma vez o dito tiver posto as mãos na massa, terá sido um num milhão. Isto, para não falar dos inúmeros mestres e doutores das Ciências menos Exactas...os historiadores, filósofos, estudiosos de literatura e afins, que lugar têm eles nas empresas? Acreditando que têm - e é minha convicção - isso deriva, não da sua especialização em mestrados e doutoramentos, mas antes da sua formação ao nível da licenciatura. Assim, as empresas colhem proveitos de uma formação anterior (e para o Estado mais barata, convenhamos...), sem que o mestre ou doutor venha alguma vez a desempenhar qualquer cargo que tenha remotamente a ver com o que andou a estudar, financiado pela FCT.
Quanto às Universidades, aqui, curiosamente, o debate está encerrado. A super-sónica passagem de Ferreira Leite pelo Ensino, que deixou atrás de si uma verdadeira "Wasteland", não permite praticamente novas contratações. Além disso, a "massa (em estado) crítico" que compõe a Universidade está numa faixa etária que lhe permite a subsistência por mais uns 20 anos. O número de alunos diminui a cada ano que passa. O futuro não permite vislumbrar qualquer porta aberta para novos mestres ou doutores no intervalo. Com a agravante de que, a cada ano que passa, o seu número aumenta vertiginosamente, para júbilo das autoridades que se põem em pontas dos pés para alcançar a média europeia, e devastação do futuro de todos aqueles que um dia acreditaram que era possível seguir um caminho académico.
Ora, para concluir, que isto está a ficar muito negro..., não seria mais sensato começar pelas Universidades? Elas estão já, pelo menos inicialmente, dotadas das infraestruturas necessárias à investigação, conhecem as técnicas, os procedimentos, têm o conhecimento e a experiência acumulada de muitos anos e muito trabalho - não faria mais sentido reforçar e dar novo ânimo a essas unidades? E, depois sim, vender os serviços a empresas, como tecnologia ou saber?
Regressar, todos mais tarde ou mais cedo desejam. Mas os cérebros que pensam, recusam embarcar em mais um sonho irrealista.
.
É mais fácil cumprir o objectivo para o qual as universidades foram inventadas, do que distorcer o objectivo para o qual as empresas se criam.


Dr. Jay's