Um problema de (des)gosto
É bem sabido que o tema do gosto é um tema filosófico de longa história, que pertenceu primeiro à Filosofia e depois se tornou também reduto da Estética. Aliás, quem lhe dá enorme importância são os empiristas ingleses, seguidos depois pelos alemães, na alvorada da Estética.
Rodeada de um anátema fundamental, o de que o gosto é subjectivo e ponto final, o tema perdeu importância e é hoje, em sede teórica, inexistente. A não ser, claro, quando se fala da globalização ou da americanização, para dizer que estamos todos a parecer iguais, que comemos as mesmas coisas, temos as mesmas doenças, etc e por aí fora.
Ora, a ausência de reflexão sobre o gosto não impede que o mesmo seja ainda, et pour cause, um conceito operatório, como diria um professor meu. A sua evidência ululante tem-se feito sentir por estas bandas. Arredando qualquer estigmatização social, profissional, mental ou outra, o que é facto é que os alemães não são conhecidos pelo bom gosto. Andar na rua, em Berlim, é como entrar na casa dos horrores do que sobra dos maus cortes de cabelo dos anos 80, dos punks que sobreviveram à overdose, das secretárias que vivem no confortável, dos homens que vestem 2 números acima, do império da sandália com meia de lã.
Tenho que confessar: andei a evitar escrever este post porque temia ser apelidada de reaccionária ou de snob, que serei porventura, mas acima de tudo, andei a evitá-lo porque grassa, cá em casa, a ideia de que o valor da aparência é uma característica dos povos do sul, frívolos, fúteis, tacanhos.
Eu não percebo. Financeiramente, não há quem os suplante. De organização, um esmero. E, depois, é um desfile de curiosidades indumentárias que não se consegue aguentar. E quanto mais o esmero, maior a minhoca. É quando lhes dá a elas para esfarripar uma franja, composta por elementos raros de finíssima penugem alva, e a eles para tirar do armário uma gravata dobrada (sim! é frequente!) de fundo roxo e motivos florais amarelos sobre riscas laranja, é nesses momentos que me pergunto: como é que a Estética nasceu aqui???
Há quem me avise: Berlim é particular. Sim, é mais cosmopolita, as pessoas borrifam mais na aparência. No resto do país, é o império da camisa de seda roxa, com manga tufada e cava ampla, para permitir movimento, combinada com calça preta, muito justa, no armário desde esses saudosos anos 80.
Eu sou uma alien. Perguntam-me frequentemente se sou francesa. Acho que isso não é bom. Esses, lavam-se pouco...
3 Comments:
Gosto dessa descrição dos alemães e até dá assim uns arrepios pela espinha. Depois o roxo lembra o Senhor dos Passos e a sandalette leva peúga porque a cruz da vida custa muito a carregar, é muito pesadita. Gostava de saber se a trusse dá com a peúga ou com a chemisette? Que sorte que tenho em não ver um boi!
ok, em dresden era a mesma cena, mas ainda assim os que eu tenho que aturar (holandeses) conseguem ser piores. juro.
É verdade! Tinha-me esquecido dos solários...mas já a minha estadia belga me tinha mostrado um gosto duvidoso por um amarelado doentio como tom de pele preferido. É com certeza uma característica do norte da Europa... E lá vão eles para Maiorca ou para o Algarve estorrar sob um sol abrasador!
É verdade também que os holandeses são piores, César. E também não morro de amores por eles. Toda aquela tolerância esconde um controlo social completamente insuportável. Mas de Roterdão para "o mundo" é só um saltinho...;-)Bolas
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