Dresden
Viajar com os olhos, como um desenhador com um lápis, pelas cúpulas e pelas ruas e pelas margens do Elba. Dresden é a cidade do tempo: por ela passa o rio tranquilamente, recortando-lhe as pontes e os jardins, inspirando os terraços verdejantes de tardes de Verão. Dresden é a cidade onde tudo se diz com o imperfeito, para se falar daquela noite, daquelas horas, que em 1945 destruíram séculos de raízes. "Havia aqui", ou "era assim", entoam-se frequentemente para dar conta dessa "outra" Dresden que permanece. Nos arquivos do coração, há uma linha de céu que nunca foi bombardeada. Há uma linha de céu que permaneceu, estóica, à destruição. Que se alimentou dessa saudade e se reconverteu hoje no orgulho de voltar a ser.
Dresden cresceu muito, cresceu mal, entortada por um regime socialista que preferiu deixar algumas pedras como acusação ao ocidente, mas não se compadeceu de todas as outras, para sobre elas erguer a sua propaganda habitacional. E como emblema de acusação, ficaram as ruínas da Frauenkirche, que suportou os bombardeamentos e só colapsou no dia seguinte, como quem apenas sucumbisse perante a desolação.
Depois da queda do muro, depois da reunificação, Dresden reinventou-se, talvez pela terceira vez. A Frauenkirche, graças a um esforço colectivo organizado em torno de uma Fundação, foi reconstruída. Na semana que passou, foi colocada a cruz no seu topo. Por sinal, ela foi oferecida por um descendente de um dos pilotos ingleses que bombardeou a cidade em 45...Mas há mais: a colecção de edifícios socialistas que se encontram no centro histórico tem vindo a desaparecer. Já alguns foram demolidos. Será a vez da Polícia este ano, que tem as instalações junto ao castelo.
Independentemente das discussões, que são muitas, sobre a reconstrução da cidade como ela um dia existiu, "wie es einmal war", Dresden transformou-se no lugar emblemático da conversa com os estratos do tempo. Como a fachada da Frauenkirche, refeita com as pedras que se mantiveram intactas no meio dos escombros e com pedras novas, ainda brancas, uma cúpula de cobre que ainda brilha e uma cruz que significa o que parece impossível: que se pode mudar o passado através do perdão.
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