terça-feira, abril 13, 2004

Meninos, não tentem isto em vossas casas

Na ressaca das festividades Pascais, volto com profundo repúdio pelo último filme de Mel Gibson, "A Paixão". Considero-o só como uma coisa que me aconteceu...e as razões são várias:
1) o problema da violência não é um problema em si, mas um problema para mim, pelo que este não é um motivo de desgosto que possa ser enunciado simplesmente. O problema da violência vem agregado a uma opção estética que, neste caso, vem embrulhando uma opção de marketing - veja-se a elevadíssima procura do filme nestas datas. Caso para dizer, que é um "filme de época";
2) a questão da reconstituição histórica e da verdade é uma conversa que já tem barbas. Um filme que se tome por reconstituição histórica não é um documentário post mortem, é um testemunho para o futuro. Se mesmo o fotojornalismo está pejado de preconceitos e escolhas que nos dão a ver apenas o que se considera "digno de ser visto", por que razão teria um filme mais direito a reclamar-se como "verdade" ou "história"?
3) depois, uma reconstituição histórica não é um produto: é uma opção fílmica que pode desembocar nas mais variadas formas. A narrativa da paixão de Cristo não nos dá, imediatamente, nenhuma directiva sobre a forma como encená-la. Mais uma vez se revela como a estratégia de venda do filme se apoia numa crença ingénua de que esta história, sim, esta história é que é verdade, porque reitera o que está na Bíblia e não o contrário;
4) toda a máquina de produção deste "objecto" está vocacionada para a confusão entre a verdade, a tensão religiosa do momento da Páscoa e o demasiado consumo da televisão - porque, a acreditar nos jornais, o filme levou uma multidão, na Austrália, à igreja...
Se o fenómeno se propaga, é caso para começarmos a pensar nos avisos pós Super-Homem: meninos, não tentem isto em vossas casas.


Dr. Jay's