A exposição polémica
Abriu, no sábado, uma nova exposição polémica em Berlim. Há uns meses atrás, foi a Colecção Flick, que dividiu o público. A questão era o passado da família Flick: o fundo que permitiu constituir a colecção vinha de um avô de Christian Flick, conhecido por ter colaborado com os nazis. Neste momento, a polémica diz respeito a um episódio do passado recente alemão: um grupo terrorista, o RAF(Rote Armee Fraktion), que espalhou a morte nos anos 70, na Alemanha.
1. A exposição
A exposição intitula-se "Zur Vorstellung des Terrors: Die RAF-Ausstellung", ou seja "Para uma representação do Terror: a exposição da RAF". O conceito que está por detrás da iniciativa é mostrar a que formas de representação deu origem este fenómeno de terrorismo na Alemanha. O problema essencial é precisamente que algumas dessas formas de representação - e penso por exemplo em Beuys - não escondem um apoio ou uma simpatia pelo movimento da RAF. Se acrescentarmos que se soube entretanto da ligação familiar de um dos comissários a uma das terroristas, é compreensível a dimensão da polémica em torno da exposição.
2. O financiamento
Lembro-me bem que no ano passado se levantou, por esta altura, uma enorme discussão pública acerca do financiamento de uma exposição que, dizia-se, glorificava um pequeno grupo terrorista alemão dos anos 70. O conhecido e contestatário grupo da KW (KunstWerke) resolveu rejeitar o financiamento do estado e tratou do assunto por outros meios, conseguindo reunir os meios para fazer a exposição e deixar de ser refém do estado.
A discussão estava esvaziada: o malogro das intenções do ministro Schily, quando questionou que se financiasse a iniciativa, acabou por trazer a autonomia necessária à KW.
3. A representação e a independência
A independência da KW face ao Estado, no entanto, não pôs fim à polémica. Com efeito, é preciso sustentar a fragilidade da ideia, falsamente inocente, de que é possível sobrevoar o fenómeno do terror, sem opinião. As obras em exposição tratam disso mesmo! Então, como é que um comissariado pode pretender a neutralidade?
Com certeza que é pertinente e até importante discutir e trazer à luz o passado histórico de um país, nas suas dificuldades e contradições próprias. É preciso pensar sobre elas, reflectir, e não apenas lançar um anátema que, mais tarde ou mais cedo, redunda no silêncio. Fazer falar a história é fundamental para o futuro de um país pacificado consigo próprio. Mas também é fundamental, por uma exigência de verdade, que se assuma uma posição frontal, franca e aberta sobre a nossa própria posição em face dos acontecimentos.
Procurar esconder uma posição sobre o terrorismo da RAF, por detrás de uma aparente neutralidade, resulta numa explosão de evidência com que somos confrontados na própria exposição. Ou, para usar uma expressão muito portuguesa, é um "gato escondido com rabo de fora".
KW Institute for Contemporary Art
Auguststraße 69
10117 Berlin
30. Januar - 16. Mai 2005
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