Was schlimm ist
Num comentário, há uma insinuação superficial e malevolente sobre a ligação de Benn ao nazismo, que deixa no ar aquela ideia tão cara a alguns (aos nazis, sobretudo), de que a História, e também a História de Arte, deve ser contada aos solavancos, a partir da determinação dos "puros" e dos "impuros". Quem, da sua cátedra, o quiser fazer, que avance.
Encontrei uma recensão feita pelo Pedro Lomba a esta tradução de 50 poemas de Benn por Graça Moura. Eu não tenho qualquer simpatia política por Pedro Lomba, nem sequer por Graça Moura, mas isso não me impede de os ler e aprender com eles.
Da Revista Inventio, há uns anos...
«50 POEMAS »
GOTTFRIED BENN
Relógio D'Água
No seu incansável trabalho de tradutor, Vasco Graça Moura tem tido o mérito de apresentar ao público português autores muito diferentes e de línguas também diferentes. Villon, Shakespeare, Dante ou estes «50 poemas» de Gottfried Benn são alguns dos nomes que Graça Moura verteu, com mestria notável, para a língua portuguesa.. Esta tradução de Benn é uma tradução de 1980 e em boa altura surge de novo. Gottfried Benn não é um autor particularmente presente na literatura portuguesa. Pode mesmo dizer-se que a matriz expressionista da poesia de Benn nunca teve particular repercussão em Portugal, longe da Europa central, o epicentro cultural no qual aquele germinou. O significado original do expressionismo está na concepção do mundo como expressão individual. Dizer que o mundo adquire as dimensões problemáticas de uma expressão pessoal é dizer que esse mundo precisa de ser desfigurado a partir dos efeitos devastadores que provoca na consciência do escritor. Num célebre ensaio sobre o expressionismo, Vintila Horia classificou-o como «necessidade de salvação» e escreveu que o «expressionista adverte que o mundo se equivocou e, de uma maneira ou doutra, quer afastar-se dele». Porque no princípio do século, a morte não existia só em Veneza, a morte era um sentimento que brotava constantemente do tempo, essa morte que assumia contornos quase ontológicos, era a morte de Georg Track, Robert Musil, Herman Broch, Hoffmansthall, Rilke, Junger, Thomas Mann e tantos outros. Era a percepção da decadência, da dissolução crescente da cultura ou do ser.
Gottfried Benn pertence a essa geração histórica e cultural. Nascido em 1886 em Mansfeld na Alemanha, formado em medicina e médico de profissão durante toda a sua vida, Benn não se furtou a uma breve, enganosa e enganada aproximação ao nazismo em 1933 e 1934, como tantos outros à altura, vindo a afastar-se decididamente depois, silenciado de 1936 a 1948. A poesia de G.Benn não é uma poesia fácil, marcada por uma certa propensão para o intraduzível. Desde logo, é uma poesia que redefine os parâmetros do Eu poético. Como o próprio Benn escreveu, a «existência de cada um, a história, o universo, só são apreensíveis em duas categorias: o conceito abstracto e a alucinação.» É nesses termos que é feita a projecção do eu no exterior e não liricamente. Por exemplo, diz Benn em «O Homem Fala»: Um homem fala:// Aqui não há consolo. Vê, como a terra/acorda também de suas febres./ Mal brilham ainda algumas dálias. Está devastada/ como depois de uma batalha a cavalo./ Oiço a abalada no meu sangue./ Tu _ meus olhos bebem já/ os azuis das colinas distantes./ Algo toca de leve as minhas fontes.
Por vezes, encontra-se nestes 50 poemas de Gottried Benn uma postura, claramente naturalista que não nos deve iludir quando ao seu exacto alcance. Trata-se de um falso naturalismo meta-histórico, de um naturalismo que se recusa a si mesmo, que se anula e impede a mais vaga associação ao contingente e ao imediato. Porque «Uma realidade não vem fazer falta/ e até não existe sequer, quando alguém/ do tema inicial do instinto e da flauta/ pra sua existência uma prova tem. Ora, provar a nossa existência é fragilizá-la, é torná-la humanamente impossível. «Uma vida normal, uma morte normal não é nada», escreveu Benn.
A leitura destes poemas de Gottfried Benn tem o efeito da humildade. É do maior interesse conhecer de perto um dos grandes poetas da literatura deste século e, para quem quiser ir mais longe, aventurar-se por esse mar tormentoso que foi a obra expressionista da altura. Escutemos, para concluir, o próprio Benn: «Então sofrias tu, mas ressurgias,/morreste então, mas foi morte de amor,/ a cada passo e volta hoje verias:/ vazios estão os campos sem ardor.(..)
Pedro Lomba
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