Da Cegueira à Lucidez, num ataque de estupidez
Confesso que ainda não li o "Ensaio sobre a Lucidez" de Saramago, a sua última invectiva no território normalmente adormecido destas massas amorfas que cultivam a democracia. Também confesso que já li esta notícia sobre o Saramago há uns dias e que nem sequer achei digno de nota, depois do nosso prémio de trazer por casa ter completamente falhado o alvo quando andou a visitar o amigo Arafat. Cada cavadela, cada minhoca...
Mas isto dos escritores é uma chatice, a gente lê-os e gosta e depois não sabe como se há-de livrar do mal. Um dia disseram-me que às vezes os pensadores não estão à altura do seu pensamento, o que aliás era sobre salvar o Heidegger da condenção. Claro que Saramago discordaria. E a Agustina, por exemplo, que gosto de guardar no bolso do avental de cozinha, por ser o mais recôndito lugar das mulheres dela, a Agustina que eu leio em duas horas, sequiosa da próxima página - essa mulher horrível que apoia o senhor Lopes quando se lhe pede que venha a público apoiar qualquer coisa, para a Agustina eu diria "cada tiro cada melro", por se adequar mais à sua esfera rural. Os alemães não gostam dela, porque não lhe percebem o recheio com travo a vinho do Porto. Eu devoro os seus livros e depois regurgito a autora.
Isto tudo não para insultar a literatura, que essa bem pode rir-se de mim, mas para dizer que estas pessoas são levadas demasiadamente a sério, em primeiro lugar por elas próprias. Quem já tirou o som à televisão, quando ouve o Saramago, quem ousou fazer esse primeiro ensaio sobre a surdez, terá decerto tido dificuldade em esconder o riso. Só aqueles que não pertencem à paróquia, diria o Bergson, neste caso os "companheiros, amigos, palhaços", só mesmo esses resistiriam.
E agora, se caminharmos ao contrário de Saramago, esse ser extraordinário que caminhou da cegueira à lucidez sem deixar o PC (feito de tal ordem notável, que permanece sem comments), se caminharmos da lucidez para a cegueira, tirarmos a imagem do Saramago e deixarmos a sua voz a ecoar as suas verdades profundíssimas e demasiado rápidas - que tipo de ensaio faremos?
Eu atrevo-me: teremos no mínimo mergulhado na obra-prima do mestre, o último ensaio possível - desta feita sobre a estupidez. É um daqueles raros momentos em que as obras-primas do mestre se transformam nas primas do mestre-de-obras.
José Saramago, militante do PC e escritor, premiado com o Nobel, aventura-se ao Parlamento Europeu. Caminhou da cegueira à lucidez, diria eu, não fosse o caso de ser candidato pelo PC. Mas mais: sem deixar de ser comunista, como é possível que ele só agora tenha descoberto a sua incompatibilidade com a democracia?
Pois é, senhor José, o camarada precisava de uma viagem no tempo, para matar as saudades dessa velha União Soviética que tanta alegria trouxe aos trabalhadores de todo o mundo. Bem haja pela recordação. Se um dia me tornar metalúrgica, voto em si. Ou talvez não, porque o seu nome não é "Branco".
Quem é o "Branco", afinal? Quem é esse gajo?
1 Comments:
intiresno muito, obrigado
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