terça-feira, setembro 14, 2004

Uma vida começada por "se"

Ainda há alguns amigos que insistem na versão da minha vida que começa com um "se": se eu tivesse acabado o curso de Direito... e depois auto-suspendem-se, quase se pode ouvir o rufar dos tambores, e eu já nem completo a frase que normalmente terminaria com a palavra "infeliz".
Como já expliquei, os meus amigos são seres de espantosa preserverança. São crentes numa realidade sobrenatural, desenhando no cenário do real um mundo melhor, que seria aquele em que eu, uma pobre alma sem vocação definida e em permanente demanda, rejubilaria em frémito perante o Código Civil (edição revista e actualizada).
A memória, de que gosto tanto de falar, prega partidas destas, quando reinventa o passado à medida dos nossos desejos. Às vezes, gosto de recordar alguns acontecimentos marcantes nesse desvio no meu percurso académico, para o outro lado da alameda da universidade.
Houve aquela célebre nota, escrita penosamente por um assistente machista, num teste de Teoria Geral do Direito Civil, que rezava assim: "absoluta falta de intuição jurídica". Já uma velhinha professora de matemática me dizia: "a Inês gosta de ir ao Porto para chegar a Coimbra". Sim, senhora, gostava disso. E não mudou com a idade. Nada, nada. Pior: agravou-se. Passei a não dispensar uma paragem no Minho e em Trás-os-Montes, com um salto à Beira Interior, para chegar ao Baixo Alentejo. E nunca fui grande espingarda em Geografia, mas estava-me no sangue essa coisa de cirandar.
Houve também umas orais memoráveis de que saí vítima, coxeando e cambaleando, mas seguindo caminho...uma no primeiro ano, ficou célebre por a assistente me ter perguntado se eu era atrasada mental. Outra, a última que fiz, de Direito Administrativo, foi salva à custa de constantes interrupções pelo tamagochi do assistente.
Havia os testes de sub-turma que em geral não eram auspiciosos. Havia o entusiasmo pela teoria e o colapso total da prática. Algum estudo, não muito, bastante desinteresse e um desnorte total. Sem saber de que vocação se tratava, no meu caso, a decisão de mudar de curso deve ter sido das mais acertadas que tomei na vida. Continuo sem saber para que sou feita, suspeito de que padeço de uma vocação, não de que a possuo. Os problemas não desapareceram, mas são outros.
Agora... a tese de estética que preparo tem por título uma figura jurídica. Freud explicaria, but who cares?

3 Comments:

Blogger César de Oliveira said...

para um gajo (eu) que nunca teve a mínima dúvida sobre quem era ou o que era, este texto é impossível de compreender... e se eu agora pensar nisto, este comentário é um disparate: a razão da sua existência é a prova da sua desnecessidade ;)

4:18 da manhã  
Blogger inês s. said...

Apesar das muitas hesitações, eu acabei. Mas continuo longe de ter encontrado a tal vocação. Fui infeliz durante o curso, mas não creio que pudesse ter tirado outro. A tese é sobre o quê? Estilicídio? ;)

4:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Foi de facto sinuoso o nosso caminho. Eu acho que fizeste bem em saltar para a alameda do lado. Mas não julgues que não brilhaste nesses dois anos! O Jorge Miranda rendeu-se naquela tua oral de Direito Constitucional!... Seguiste o caminho de quem teve a coragem e a ousadia de arriscar e acertar! E a tese, é sobre que figura jurídica? E já vai a meio? Vamos tomar um café? Alexandra

12:01 da tarde  

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