Bem sei quanto este blog se está a tornar gastronómico...entre berliners e frankfurters, pastéis de belém, bolas de berlim e recheios, a minha mente mede-se em colheres e quantidades possivelmente cozinháveis. Mas é só um mote, garanto, e prometo não dar receitas.
Tive como colegas de penas e trabalhos, na escola onde andei a tentar aprender alguma coisa de alemão, muita gente. Engane-se quem pense que geograficamente a amplitude seria ampla...à excepção de moi-même e da professora, não havia europeus. Tudo amarelinho de olhos em bico, onde aprendi a ver diferenças - vietnamitas, mongóis (da Mongólia), coreanos, chineses e tibetanos. Depois, mais perto, indianos, iranianos e iraquianos. Finalmente, como não podia deixar de ser, turcos. Berlim é, depois de Istambul, a maior cidade turca do mundo, com meio milhão de pessoas.
Sim, o mais difícil aqui, é encontrar um alemão. De Berlim, não há ninguém que seja. Os nativos são raríssimos. E em Kreuzberg, por exemplo, um bairro que agora está na moda e onde se instalam os artistas, é como um passeio pela Turquia, com vista para a Ásia. No metro, ouve-se falar de tudo. Em alemão, pouco, porque os que falam, limitam-se a ficar calados...
Bem, mas regressando ao interior da minha aula, as dificuldades são de uma ordem totalmente desconhecida. Os asiáticos são espertos e estes eram todos umas cabeças. Sabem as regras todas, praticam a gramática como quem salta pocinhas. Então, que estavam eles a fazer ali?
Os asiáticos não pronunciam as vogais. Foram, para mim, os primeiros pássaros da primavera, num chilrear de nenúfar em nenúfar que, não fora uma tentativa de comunicação, teria apreciado de um ponto de vista musical. Quando percebemos alguma coisa, é uma vitória. Depois, repetimos para ter a certeza. Quando eles riem muito, era isso mesmo. Quando esgrimem uma dificuldade com rugas na testa e se precipitam para o dicionário, é melhor começar a falar de outra coisa.
Raramente, ao fazer exercícios, percebem do que se trata. Conjugam bem os verbos, aprendem-nos de cor. A diferença entre entrar e sair não a conhecem. Ontem e amanhã são o mesmo. Talvez e sim têm uma familiaridade estranha, como marido e mulher divorciados.
Convidei por diversas vezes uma coreana com quem simpatizei para um café. Disse-me sempre que "talvez amanhã". Mas amanhã não quer dizer nada e "para a semana pode ser" também não.
A professora é uma montanha de berliners em equilíbrio sobre duas pernas. Chama-se Prisca, que para mim é nome de gata, e gosta de usar blusões de cabedal. É muito má, grita que se farta, mas tem sentido de humor. Devastadora, como a sua dimensão.
Ao esclarecer os termos mais complicados de um texto no quadro, escreveu "civilização". Um vietnamita perguntou que era aquilo. Ela respondeu, "pois claro que não sabe...e já agora, a uma pessoa que sabe chama-se civilizada". Quis saber por que razão andam as raparigas todas com a sua garrafa de água atrás - ela obviamente não conhece os princípios elementares da dieta. Depois, como se fosse para si, perguntou se estaria tudo de volta à fase oral. Eu larguei uma gargalhada isolada. A partir daí, sou respeitada como uma louca. Há qualquer coisa de mitológico nas minhas gargalhadas, pensam eles.
Depois dos sorrisos e das despedidas, depois deste regresso à escola, as minhas vogais nunca mais serão as mesmas.