quinta-feira, setembro 30, 2004

Love and Death [A última noite de Boris Gruschenko]

"Love and Death" deve ser um dos melhores filmes de Woody Allen, que só vi há pouco tempo, embora seja já bem velhinho (1975).

Nele, Woody Allen é Boris Gruschenko, um oficial russo promovido por acidente, a braços com as grandes questões da vida e da morte, não esquecendo o amor. Esse é, aliás, o seu tormento: Sonja. Ela é Diane Keaton e os dois formam a pandilha mais hilariante que se possa imaginar.

Luftbrücke [ponte aérea]



Está na altura:
como um pássaro desatento
descobrir asas só para chegar onde seja mais quente
o melhor mês
onde o outono contenha a melhor frase
à temperatura ideal
e onde haja coragem para escrever um poema
que não se devore a si mesmo na nostalgia do verão

Ora bem

Se eu começo a acordar, em Berlim, às horas a que me deitava, em Lisboa, das duas uma: ou alguém mudou o fuso horário berlinense sem avisar, ou ando a comer muita Bratwurst...

quarta-feira, setembro 29, 2004

Oh As Casas As Casas As Casas

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei - ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo

Próxima morada

Em Outubro, o mais provável é encontrarem-me aqui

com os Percursos!

Finalmente


Ontem, fui ver "Der Untergang". O filme é absolutamente a não perder: os actores emprestam uma solidez inacreditável à História. No momento da catástrofe, Hitler é um homem gentil, com acessos de crueldade e derivações irrealistas. É um homem e ao mesmo tempo um génio maligno à beira do fim. Profundamente bélico, "Der Untergang" é um filme genial com uma chave possível para o coração da natureza humana, mas ainda não da História.

terça-feira, setembro 28, 2004

Justificação de faltas

Bola de Berlim em périplo pela Turíngia por estes dias. O Outono por todo o lado, o frio e o cheiro a lenha, em Jena. De dia, a chuva e uma elegantíssima combinação de verde seco e vinha virgem. Já não vejo no regresso todas as copas das árvores que aqui houve durante o Verão. Nasceram telhados e antenas, gruas, terraços nus. Está cá tudo menos os pássaros.

Cinema Mono

Hoje, nova tentativa de ver "Der Untergang".
Se não dá em stereo, vamos ver o que dá em mono.

A importância de uns decibéis

Depois de um pequeno acidente doméstico com um cotonete e de uma pequena perfuração do tímpano, a descoberta da importância de apenas uma pouca de decibéis...

sexta-feira, setembro 24, 2004

Método Gabriel Alves para o Ministério da Educação

Com o pé que estiver mais à mão

Recordações


Uma frase da infância...
em português, "a sopa está para as crianças, como o comunismo para a democracia."

Publicidade Institucional

Agora já pode fazer aplicações financeiras no...Jardim da Celeste!

Conselho de amiga

Cuidado com eles...

quinta-feira, setembro 23, 2004

O disparate começou...

Embora até aqui todos os protestos contra a Colecção Flick tenham sido civilizados, logo no primeiro dia o disparate já se fez sentir...ontem, uma senhora de 35 anos resolveu estragar duas obras do artista americano Gordon Matta-Clark. Tendo sido detida e consultado um psicólogo que assegurou que a senhora em questão não era perigosa, foi libertada e aguarda um julgamento e uma conta astronómica...
Reza a história que o avô de Flick era proprietário de uma empresa que beneficiou de trabalho escravo, de judeus em campos de concentração. Flick terá herdado desse avô a fortuna que lhe permitiu constituir a presente colecção de arte contemporânea. Também fundou, depois de muito protesto, uma fundação de apoio às vítimas do nazismo. Mas nem essa iniciativa o ilibou do passado familiar, que explícita e repetidamente rejeita.
A inauguração da exposição contou com a presença de Schroeder e de Schuster, o director dos Museus do Estado de Berlim, numa tentativa de sublinhar, como diz o FAZ, o "efeito Midas". Como se vê, não resultou. A senhora em questão, depois do disparate, gritava estridentemente "Flick, agora perdoo-te!"

quarta-feira, setembro 22, 2004

Que tal?

O Público anuncia que vamos ter novos números de Segurança Social, porque parece que finalmente se começará a fazer o cruzamento de informação com o fisco.
E se em vez de ser tudo para apanhar o "malandro do contribuinte relapso", se anunciar qualquer coisinha que facilite a vida a quem paga?

Reabertura de época

Na Hamburguer Banhof, a partir de hoje, a Colecção Flick, de arte contemporânea, está aberta ao público. Não sem grande e longa polémica, acerca do envolvimento da família Flick com o nazismo e da proveniência duvidosa do capital necessário para formar esta colecção... Nada de novo: isto é Berlim!

Contramaré

O problema não é que as aparências iludam.
O problema é que no governo as aparências elidem.

terça-feira, setembro 21, 2004


Saudades do Quino...

O meu Estado I

Sob pena de uma esquizofrenia forçada pelos discursos políticos recentes, acerca dos benefícios fiscais, sistema de saúde, segurança social e quejandos, resolvi começar a recordar a realidade. A penosa e kafkiana realidade da minha relação com o Estado.
Quando acabei o curso, inscrevi-me nas Finanças. Informei-me acerca das prestações para a Segurança Social: tinha direito a um ano de isenção. Munida de um livro de recibos e inscrita na actividade "prestação de serviços" que é a designação mais "parda", comecei a trabalhar. A trabalhar esporadicamente, entenda-se. Mais ou menos de 3 em 3 meses aparecia qualquer coisa para fazer e lá passava eu mais um recibo. Claro que isto me impedia de fechar actividade e de me inscrever num centro de emprego, porque assim perderia as oportunidades que de quando em quando iam surgindo. Como eu, vi muita gente da minha idade. Recém-licenciados teoricamente activos, na prática sem trabalho.
Entreguei a minha declaração de IRS, incluindo todas as despesas de saúde, que eram avultadas porque tinha sido operada entretanto, e as despesas com o mestrado. Estas últimas foram consideradas inelegíveis. E as primeiras não representaram absolutamente nada, porque o meu rendimento não atingia sequer o patamar mínimo. Ora, essas despesas estiveram a cargo dos meus pais - era no IRS deles que deveriam ter entrado. Tant pis...
Passados mais alguns meses, decidi ir à Segurança Social, porque entretanto já estava atrasada para começar a fazer descontos. 3 meses de atraso, para ser exacta. Demorei um dia inteiro a tratar da minha inscrição. Quando quis pagar o que devia, foi-me dito que tinha que esperar até receber uma carta onde constaria o montante em dívida e o modo de pagamento, além do meu número de Segurança Social.
Essa carta chegou 4 meses depois. Nessa altura, já era impossível pagar a dívida através do multibanco e começavam a acumular-se juros de mora que, caso tivesse podido pagar no momento da minha inscrição, não teriam chegado a surgir.
Entretanto, recebi uma bolsa da FCT. Fui às Finanças e fechei actividade. Foi-me dito que na declaração de IRS não assinalasse que era bolseira, caso contrário seria tributada, apesar da lei isentar as bolsas de impostos.
Depois, segui para a Segurança Social. É que, enquanto bolseira, podia usufruir de um ano de contribuições para a Segurança Social pagas pela FCT, no regime de "seguro social voluntário". Foram dois dias no Areeiro, a resolver tudo. Papel para cá, registo para ali. Finalmente, a novidade: pagar uma consulta, por uma junta médica, para avaliar da minha idoneidade. A data? Ninguém sabia, isso é com outros serviços, depois informar-me-iam. Que eu pudesse ou não, era indiferente.
A caminho de Berlim, passados 3 meses, recebo a notícia de que tenho a dita junta médica marcada para menos de 1 mês depois. Lá vou eu outra vez... a junta médica é afinal um médico apenas que me pergunta como me sinto, olha para mim, assinala as minhas respostas numa ficha e em momento algum me procura examinar. Avisa-me, no final: se eu não receber o ok dos serviços dentro de 2 ou 3 meses, é melhor ir perguntar se perderam o meu processo. Sim, acontece, é aliás comum...
Cerca de 3 meses depois, recebo um ofício da Segurança Social, onde consta o montante a pagar. A FCT reembolsa, mas o pagamento tem de ser feito por mim. Vou novamente aos serviços, à tesouraria, para liquidar a prestação e sou informada de que o ofício está errado e de que o montante a pagar é diferente, ligeiramente superior. Houve um erro dos serviços...
Quando a minha bolsa acabar, terei novamente uma odisseia. Entretanto, espero pelo reembolso da FCT.

Manobras de pássaro

Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras do Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para sul. À noite passam por nós
traineiras e gôndolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos. [...]

Ingeborg Bachmann, Manobras de Outono

Dos atrasos I

Com tanto atraso, será que a lista de colocação de professores está grávida?

segunda-feira, setembro 20, 2004

A rosa é sem porquê



Cy Twombly, Untitled (Analysis of the Rose as Sentimental Despair), panel V
Bassano in Teverina 1985
oil, oil/wax crayon, water-based paint, and pencil on canvas stapled to wood panel
gesso and oil/wax crayon on wood panel
71 1/4 x 44 1/8" (181 x 112.1 cm )
Cy Twombly Gallery, The Menil Collection, Houston

Não será?

O nosso primeiro já tem os santanistas e as santanettes nas santanices.
Mas eu acho que o que lhe faz mesmo falta é uma santanizer!

Como na imaginação

Sábado foi dia de concerto. Na Philarmonie, Simon Rattle impecável com a sua lieblings Orchester, num programa delicadíssimo inteiramente dedicado a Debussy. Imaginação, brincadeira, sonho: todo o repertório do compositor na ponta dos dedos do maestro e dos músicos.
Depois da primeira peça, Rattle reentra em cena, puxa do microfone e eu penso: é agora, vai passá-lo de mão em mão como o Marco Paulo! De certeza que aprendeu o truque, não pode ser só a moda dos caracóis...


Mas não. Sir Simon Rattle, no seu melhor alemão, pediu ao público que tossisse tudo naquele momento "or forever hold your breath"...porque Debussy é, apesar de tudo, melhor do que uma "sinfonia da tosse", como disse.
De seguida, recomeçou. Tão veemente e lançado, que largou a sua batuta em pleno voo, tendo esta aterrado em cima de uma violinista, que se apressou a devolver-lha...

Everybody needs good neighbours

Rapidamente, sobre as eleições em Sachsen e Brandenburg: a descida do SPD e da CDU era mais do que esperada, sobretudo depois das recentes manifestações contra o Hartz IV, que faz parte de um pacote de medidas muito mais amplas, a Agenda 2010, pela qual Schroeder paga em descontentamento social, mas de que não abdica.
Há que equilibrar depois dois elementos: por um lado, a ascensão galopante dos antigos comunistas e por outro lado, a subida nos resultados de partidos de extrema-direita.
As eleições decorreram em dois estados da antiga Alemanha de Leste, onde grassa 20% de desemprego. Houve uma vontade clara do eleitorado em enviar um sinal de protesto ao governo, votando por assim dizer "ao lado". Só que há lados e lados...e a extrema-direita é um ângulo demasiado agudo...
Da Áustria, chegam porém boas notícias. O partido de Haider que tanta tinta fez correr pela Europa fora - e ainda bem! - recuou quase 17 pontos num dos estados onde tinha obtido melhores resultados, ficando-se agora pelos 5%. Se este for o futuro reservado aos partidos de extrema-direita, então que a Áustria seja arauto de boas notícias!
Entretanto, e porque as cabeças não param, vai-se falando, meio a brincar meio a sério, na possibilidade de se alterar o sistema de voto: em vez de se votar a favor de um partido ou de um político, poder-se-ia optar por votar contra...e aí, garantem alguns analistas, desapareceriam muitos destes partidos que o tempo se ocupa em eclipsar.
Mas porque a confiança no destino nunca deve ser em demasia, um bocadinho de protesto é sempre bom para acordar os mais desatentos.

Quando eu não sou arte [sobre Sophie Calle]



Procurar no meio do trabalho da fotógrafa/performer francesa um sentido, eis uma valente tarefa. E tanto mais hercúlea, quanto maior é o eco do seu sucesso no Pompidou em Paris. Não sei o que pensar...
A revelação de pormenores privados como matéria artística deve ser mais do que a exposição sensaborona de uma absoluta vulgaridade. O que choca violentamente com o conceito que o trabalho da artista quer transportar. E que por vezes é extremamente aliciante.

Não funciona. Não funcionou. Mas talvez lá volte, só para tirar teimas.

Na Martin Gropius Bau, até 13 de Dezembro.

sábado, setembro 18, 2004

Weather forecast

Na zona sul do meu coração,
há boas hipóteses para um loiro de olhos azuis.

sexta-feira, setembro 17, 2004

The end



Bifurcações

Grandes momentos vive a CDU (os democratas-cristãos), pelos piores motivos. Foi condenada ao pagamento de uma avultada quantia, naquele velhinho processo de financiamento do partido em Hessen, com dinheiros de origem duvidosa, devidamente lavados na Suiça, e que entraram na contabilidade do partido como donativos judeus...
Ontem, Angela Merkel anunciava ter enviado a todos os chefes de governo europeus da sua família política uma carta, onde convidada ao chumbo da entrada da Turquia na UE. Esse chumbo vinha dentro de um papel de embrulho vistoso, que dá pelo nome de "parceria". No estilo, se adiarmos muito, pode ser que o problema desapareça...
É curioso que este apelo surja precisamente de um dos países em que a comunidade turca é das mais numerosas. Em Berlim, são cerca de 500 mil e, apesar de todos os esforços de integração desta comunidade, subsistem dificuldades imensas. Há uma diferença clara no nível de formação, ao nível do domínio da língua e mesmo da integração profissional. Aliás, mesmo relativamente a outras comunidades imigrantes, essa discrepância é assinalável: os asiáticos, em geral, apostam na formação superior dos seus filhos, uma segunda geração que domina perfeitamente a língua e adoptou os hábitos alemães por completo, incluindo a famosa "Schnitzel"...
Tudo isto para pensar se a recusa camuflada da CDU à entrada da Turquia na UE é mais um aviso à navegação ou antes uma insuportável intolerância.

Embora mais céptica

Embora um bocadinho mais céptica em relação aos motivos de Nobre Guedes, acho que
esta peça de Miguel Sousa Tavares merece a leitura.

quinta-feira, setembro 16, 2004

Cheirava a lápis de cera, embrulhados em fino plástico

Cheirava a lápis de cera, ainda embrulhados num fino plástico. Tinha na mão o saco da ginástica, um saco de pano em que o meu nome, que ainda não adivinhava, estava bordado pela minha mãe. Ia no carro, naquela travessia que me parecia longa viagem, do Estoril a Lisboa, identificando os "palácios e castelos de fadas" que se perfilavam na marginal e que dividia com as minhas irmãs. Era sempre muito cedo. O meu pai falava das pedras da calçada que, a cada inverno, o mar insistia em destruir. Pensava que um dia viria uma onda gigante que nos engolisse e transportasse, numa versão Moby Dick sem baleia, para o estômago do mar. As minhas irmãs pareciam-me muito crescidas. Os meus pais eram gigantes de certezas.
Chegando à nova escola, apertava muito os punhos nos bolsos, para engolir aquele soluço de medo. O meu pai tinha já ido. A minha mãe acompanhava-nos ao recreio, onde uma multidão se acumulava. Acho que nunca tinha visto tantos meninos juntos. Eu não queria que ela se fosse embora. Acho que já roía as unhas nessa altura. Tudo tinha um cheiro novo. Sentia frio. Sem controlo, as lágrimas caíam e eu soluçava perante a inevitabilidade da minha mãe se ir embora, uma certeza contra a qual o meu desejo lutava.
Durante um ano ou talvez mais, o ritual das manhãs consistia em mais uma prova de ludíbrio por parte da minha mãe para se ir embora. E todos os dias eu chorava. E todos os dias me consolava a Neusa, uma auxiliar pequenina que acolhia ao colo todos os meninos de suas mães, que se achavam abandonados durante cerca de trinta minutos. Mas logo depois surgia a necessidade imperiosa de ir brincar. Isso era muito mais importante do que aquela tristeza. Assoando os narizes e lavando as lágrimas, a Neusa tornava tudo tão limpo como uma página nova.
A minha professora chamava-se Madalena. Tinha uma voz rouca, quente. Fumava cigarros longuíssimos com uma boquilha. Tinha muitos sinais na cara, mas tinha tirado um. Eu queria espreitar para dentro desse buraco, para ver como é um corpo do outro lado. Mas um poro, descobri, é muito pequeno. E lá dentro ainda é segredo. Ela contava histórias e punha-nos a fazer entrançados de tirinhas de revistas.

Ao fim de um ano, estava reconciliada com a minha mãe. Nunca cheguei a zangar-me com a escola. Afinal, não era ela que ia ter comigo de manhã, era a minha mãe que me fazia chegar lá todos os dias.
Na primeira classe, tínhamos uns bibes azuis escuros, parecíamos pequenos motoristas da Carris em preparação. Fazíamos uma fila indiana quando tocava a campainha. O mistério era sempre o mesmo: como é que aquele corredor fazia a ligação entre a brincadeira e o secreto mundo dos números e das letras.
Hoje, a Mariana começa a sua primeira classe. Eu estou desejosa. Para podermos ler livros juntas.

Do básico ao secundário

Quando ao primeiro ciclo do ensino se chama "básico" e ao segundo "secundário", que se pode esperar do sistema de ensino em geral?

The voice

Descobri, por acaso, que esta senhora faz hoje 80 anos.
Não posso fazer-lhe um link para a voz, a não ser por interposta imagem.



quarta-feira, setembro 15, 2004

Tenho aqui uma dúvida...

O dia europeu sem carros tem alguma coisa a ver com o fim do serviço militar obrigatório?

Por que sou contra trabalho de grupo

Basicamente, porque na minha aula de alemão estou sentada entre a russa e o grego.

Correcção à memória involuntária [ou shame on me]

mas porque é que esta russa não lava os dentes?

Mondspiegel

"Mondspiegel" é a mais recente criação de Rebecca Horn, uma artista alemã, cujo trabalho, (escultura, instalação, ou realização), se tem dirigido cada vez mais para a noção de um espiritualidade incorporada, o que significa na prática uma reflexão concomitante sobre estados do corpo e do espírito. Esta instalação tem lugar na Igreja de S. João Evangelista, na zona de Mitte, numa igreja neo-românica, bastante abandonada, rodeada de edifícios devolutos, alguns ostentando ainda a altivez do séc. XIX, outros emblema dos tempos socialistas, invariavelmente transformados (se bem que "à força") em galerias pós-modernas. De tudo isto sei, porque estive lá no fim-de-semana passado, por engano...é que a instalação só é visitável a partir de dia 19... e insere-se num projecto da cidade, a Berliner Festspiele que organiza uma série de eventos pelo ano fora.


Mondspiegel
Installation von Rebecca Horn
19. September bis 10. Oktober 2004
täglich außer Mo 11 – 19 Uhr, Fr bis 22 Uhr / St. Johannes-Evangelist-Kirche, Auguststraße 90 10117 Berlin-Mitte / Eintritt frei
Berliner Festspiele und Neue Nationalgalerie – Staatliche Museen Preußischer Kulturbesitz In Kooperation mit der Evangelischen Kirchengemeinde Sophien
Konzerte zur Ausstellung
Sa 18. September 22 Uhr
Sa 25. September 20 Uhr
Hayden Chisholm:Music for Rebecca Horn´s Installation Moon MirrormitDenizhan Kocer – StimmeThymios Atzakas – OudGareth Lubbe – Viola, StimmeClaudio Bohorquez – VioloncelloBijan Chemirani – PercussionHayden Chisholm – Klarinette, Stimme
Eintritt 6 € Ermäßigt 4 € für Studenten und Gemeindemitglieder

terça-feira, setembro 14, 2004

Uma vida começada por "se"

Ainda há alguns amigos que insistem na versão da minha vida que começa com um "se": se eu tivesse acabado o curso de Direito... e depois auto-suspendem-se, quase se pode ouvir o rufar dos tambores, e eu já nem completo a frase que normalmente terminaria com a palavra "infeliz".
Como já expliquei, os meus amigos são seres de espantosa preserverança. São crentes numa realidade sobrenatural, desenhando no cenário do real um mundo melhor, que seria aquele em que eu, uma pobre alma sem vocação definida e em permanente demanda, rejubilaria em frémito perante o Código Civil (edição revista e actualizada).
A memória, de que gosto tanto de falar, prega partidas destas, quando reinventa o passado à medida dos nossos desejos. Às vezes, gosto de recordar alguns acontecimentos marcantes nesse desvio no meu percurso académico, para o outro lado da alameda da universidade.
Houve aquela célebre nota, escrita penosamente por um assistente machista, num teste de Teoria Geral do Direito Civil, que rezava assim: "absoluta falta de intuição jurídica". Já uma velhinha professora de matemática me dizia: "a Inês gosta de ir ao Porto para chegar a Coimbra". Sim, senhora, gostava disso. E não mudou com a idade. Nada, nada. Pior: agravou-se. Passei a não dispensar uma paragem no Minho e em Trás-os-Montes, com um salto à Beira Interior, para chegar ao Baixo Alentejo. E nunca fui grande espingarda em Geografia, mas estava-me no sangue essa coisa de cirandar.
Houve também umas orais memoráveis de que saí vítima, coxeando e cambaleando, mas seguindo caminho...uma no primeiro ano, ficou célebre por a assistente me ter perguntado se eu era atrasada mental. Outra, a última que fiz, de Direito Administrativo, foi salva à custa de constantes interrupções pelo tamagochi do assistente.
Havia os testes de sub-turma que em geral não eram auspiciosos. Havia o entusiasmo pela teoria e o colapso total da prática. Algum estudo, não muito, bastante desinteresse e um desnorte total. Sem saber de que vocação se tratava, no meu caso, a decisão de mudar de curso deve ter sido das mais acertadas que tomei na vida. Continuo sem saber para que sou feita, suspeito de que padeço de uma vocação, não de que a possuo. Os problemas não desapareceram, mas são outros.
Agora... a tese de estética que preparo tem por título uma figura jurídica. Freud explicaria, but who cares?

B.I.

O João disse-me que achava uma estupidez aquela coisa de não nos identificarmos nos blogues. Isto foi numa conversa com Pacheco Pereira na televisão do café, numa tarde quente de domingo, no ido mês de Julho...
Quando pensei nisso, (mais ou menos quando as temperaturas baixaram), achei que no meu caso, camuflada ou não, toda a gente que me visita sabe quem sou! São os mesmos que, por razões que nunca me são absolutamente claras, continuam a procurar-me e a ter paciência para os meus "discursos à nação", ou para os meus "relambórios umbiguistas", ou para as minhas "raivas alucinadas", ou ainda para as minhas "opiniões intempestivas".
Elenco demasiado fraco dos danos (faltam ainda os colaterais!) que inflijo sobre esses meus amigos, que se comportam como um cônjuge empenhado naquela promessa impossível do "até que a morte nos separe".
É por isso que não faz sentido apresentar-me. Porque tenho a certeza de que o dia não chegará em que alguém me diga, o seu blog não me é estranho, mas você é.

E se eu agora pensar nisto, este post é um disparate: a razão da sua existência é a prova da sua desnecessidade.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Outra explicação

O meu silêncio sobre o 11 de setembro não é um silêncio branco
é antes um silêncio de não haver cor.

Esclarecimento

sim, estou a ler o Proust e já passei a madalena.
percebi por que razão todo o mundo cita a passagem: é quase no início...
mas mais para a frente, é muito melhor!

memória involuntária da aula de alemão esta manhã

mas porque é que este grego não toma banho?

Eureka vs. hélas!

Encontrei aquele ímpeto, aquela forma da vontade que inventa prioridades para organização pessoal, como separadores de filofax, arquivos, bases de dados, fotocópias e afins,
aquela estruturação divinal que funciona como uma receita de bolo 4/4, todo-o-terreno,
aquela vontade que põe em movimento qualquer par de pernas em direcção ao chocolate.

O problema é que neste caos, não sei onde a meti.

"Desapareceu de sua casa, aos 13 de setembro de 2004, Uhlandstrs. em berlim, um princípio de ímpeto e de vontade. Não é considerado perigoso. Não apresenta sinais particulares. Blablablabla...contactar este blog."

sexta-feira, setembro 10, 2004

Der Untergang


O filme que estreia a 16...

prateleiras

"pôr prateleiras na vontade e na acção"
este ser o verso que nos toma de assalto na aula de português, enquanto um tempo quente de maio faz desmaiar a tinta falsa das paredes, que esconde os segredos frescos de um palácio mágico a cair aos bocados
"pôr prateleiras na vontade e na acção"
este ser o silêncio que nos invade em face daquela personagem desconcertante que é uma professora de português, com risadas de gigante e passos liliputianos de quem está prestes a esmagar-nos, com o seu devorador mote indecente é a ignorância
"pôr prateleiras na vontade e na acção"
ser o sabor quente de um beijo surripiado nos intervalos do pensamento, naquele cruzamento sombrio de duas ruas excitantes, por serem próximas de uma biblioteca organizada da letra v à letra a, da vontade à acção, e que se reflecte no espelho da letra s à letra e, ie, sem efeito
"pôr prateleiras na vontade e na acção"
ser um verão a caminho, enquanto agora se desmoronam os apetites vivificantes e se instala o desrigor de um amontoado amorfo de tábuas pelo chão, que hão-de entalhar-me antes de me edificarem
"pôr prateleiras na vontade e na acção"
ser o princípio que deveria mudar a minha vida e ser ao mesmo tempo o sorriso da sua ironia

quinta-feira, setembro 09, 2004

Quando é preciso lembrar o que não se pode esquecer

Numa altura em que a Alemanha se agita profundamente, com a recrudescência de fenómenos políticos preocupantes, nomeadamente os resultados eleitorais de partidos de extrema direita, penso na razão pela qual aquele quadro de Dali que aqui coloquei, "A Persistência da Memória", tantas vezes regressa ao meu pensamento.
Adivinham-se ainda dias mais difíceis, com a estreia de um filme sobre os últimos dias de Hitler, baseado no diário da sua secretária, que já suscita inúmeras críticas e posições radicais.
Discute-se ainda o impacto da abertura ao público de uma exposição de arte contemporânea, porque o coleccionador é descendente de uma família que terá colaborado com os nazis e beneficiado do trabalho de judeus que estavam em campos de concentração.
E ao mesmo tempo, este fim-de-semana marca uma etapa decisiva no memorial do Holocausto, que está a ser construído em Berlim, entre a Brandenburger Tor e a Potsdamer Platz, e que é da autoria de Peter Eisenman. As pedras estão já colocadas e revestidas de uma substância que as protegerá dos grafittis. O projecto entra na sua fase final.
Encontro nesse "campo de estrelas" uma semelhança notável com o jardim do exílio, que Daniel Libeskind projectou para o Jüdisches Museum.


Descubro como a reinvenção do espaço se tornou para mim a citação de um passado que não vivi, que portanto não recordo, mas que acontece ali mesmo.
Para as gerações futuras, que não seja preciso lembrar-lhes o que não se pode esquecer.

Faca de dois gumes

Agência Mundial Antidopagem adoptou o português como língua oficial

quarta-feira, setembro 08, 2004

Assuntos do Mar [por Álvaro Domingues, no Público de hoje]

"Ao largo da costa, mais ou menos a cinco milhas, mais milha menos milha, naufragou uma abóbora menina. A bordo ia a Gata Borralheira e três parelhas de cavalos. A Gata não sabia nadar mas como tinha uma fada madrinha, safou-se. Os cavalos afinal eram ratos como se veio a provar depois de um processo aturado de busca onde participaram um submarino, uma fragata e um helicóptero. Pelo registo dos locais onde foram avistados já sem vida, os ratos teriam nadado em espirais até se lhes entupirem os bofes de água. A abóbora menina anda à deriva nas correntes atlânticas, prevendo-se que dê à praia algures em Cancun onde um porta-aviões da marinha dos EUA em substituição de uma aeronave da companhia Yes, está já a postos para a recolher e transportá-la para Guantánamo onde será aberta, analisada e anexada ao processo de recolha de provas da existência de armas de destruição maciça. A Gata, que afirma chamar-se Cinderela, é a única testemunha desta insólita facécia. Detida para interrogatório, afirma não ser magrebina, nem clandestina, nem membro da Organização Mulheres sobre as Ondas. Instada a revelar as circunstâncias que a levaram para o alto mar, a detida insiste em dizer que vinha de um casamento no Meco e que teve medo de se fazer à estrada por excesso da carga alcoólica e opiáceos, tendo preferido a via marítima por sugestão dos Heróis do Mar. Quanto à história dos cavalos, dos ratos, de uma suposta carruagem, de uns sapatos de cristal e da abóbora menina, a detida repete até à exaustão uma história de uma madrasta, de um príncipe apaixonado que anda à procura dela, de um sapato que perdeu e outro que está coberto de lapas, algas e mexilhões, que está em sua posse e que ela ameaça escacar na cabeça de quem lhe tocar. Dada a inconsistência do relato, abriu-se a instrução de um processo que está em segredo de justiça. A dita Cinderela está detida preventivamente no Forte de S. Julião da Barra por falta de licença de mestre de traineira, por consumo de substâncias ilícitas e por posse de arma branca. Desconhece-se o paradeiro da fada madrinha que andará a monte armada com uma varinha com uma estrelinha dourada na ponta. Suspeita-se que a dita seja uma perigosa incendiária que anda nas florestas com uma tocha olímpica que desapareceu de Atenas.
2. Contentores à deriva
Um cacilheiro com três lulas ensarilhadas na hélice embateu com o túnel do metro ao largo do Terreiro do Paço. A força do embate lançou a embarcação à deriva, tendo sido avistada poucos minutos depois a navegar a alta velocidade a noroeste do Farol do Bugio. A tripulação e os passageiros não dão sinal de si. O Ministério da Defesa está a organizar uma busca onde estão envolvidos três vasos de guerra, um vaso de jacintos de água, e uma bóia daquela menina da televisão que diz que a 'paia' é a nossa casa do Verão, não suje o chão. Devido ao agravamento das condições meteorológicas, do nevoeiro e da forte ondulação que se faz sentir no mar português, os meios de busca e salvamento tiveram que regressar, tendo-se perdido o vaso de jacintos de água e a bóia. Passadas duas semanas deu à praia da Berlenga um contentor carregado com Aloé Vera com uma senhora com uma alforreca na cabeça, presa a uma bóia e a um vaso de plástico. A senhora foi detida pela Polícia Marítima para interrogatório por suspeita de contrabando, posse de produtos químicos potencialmente perigosos para a saúde pública e invasão de ecossistemas protegidos. Incompreensivelmente fresca, a senhora diz ser a única sobrevivente do cacilheiro transviado que terá sido engolido por uma baleia de bossa. A detida afirma ter escapado a esse horrível monstro refugiando-se dentro de uma caixa de delícias do mar que o animal expeliu pelas narinas. Depois de uma noite de enjoo e de ser molestada por um cardume de pescadas de rabo na boca, a senhora afirma que se agarrou a uma abóbora menina, tendo conseguido nadar até junto de uma bóia cor de laranja e de um vaso de jacintos de água cheio de ratos afogados, o que lhe permitiu sobreviver até encontrar o contentor à deriva. Foi a minha salvação, disse. Depois de ter encontrado um furinho no contentor fui milagrosamente salva por um líquido viscoso que me serviu de champô, de iogurte, de lava-loiça, de protector solar, de bebida energética, de feijoada à transmontana, de limpa canos, de pudim instantâneo, de detergente e de varinha mágica. Depois de uma peritagem feita pelos Serviços de Protecção Civil, concluiu-se que a varinha mágica não correspondia à descrição da arma em posse da fada madrinha, pelo que a senhora, para já, só foi multada por não ter consigo o BI e o bilhete da viagem no cacilheiro. Visivelmente irritada pelo facto, a Dª Ermelinda, como diz chamar-se, imobilizou os agentes com esguichos de Aloé Vera, debitando impropérios acerca de uma consulta ginecológica a que a queriam submeter para provar a veracidade de supostos comportamentos desviantes e imorais com as pescadas de rabo na boca. Aguardam-se mais desenvolvimentos. A Dª Ermelinda deu de frosques.
3. Batalha Naval
As autoridades policiais desmantelaram uma rede de casas de jogo de Batalha Naval que era organizada por telefone-satélite a partir do Navio Escola Sagres. O caso foi descoberto através de uma intensa rede de escutas telefónicas onde se detectavam mensagens terroristas codificadas juntamente com alusões à destruição de embarcações de guerra e comerciais, do estilo A4, porta aviões ao fundo, P8, submarino ao fundo, K5, porta contentores ao fundo, e assim sucessivamente. A organização, supostamente ligada a redes internacionais e às Tríades de Macau, operava em terra, mar e praias. Devido ao carácter altamente delicado da informação, e por estar em causa a integridade e a segurança da pátria, não foram divulgados nomes. Contudo, uma fuga de informação revelou que a criancinha da 'paia' limpa, 'paia' segura, está implicada no caso e que a pá e o ancinho de plástico que ela manobra furiosamente no reclame da TV não são mais do que sofisticadas antenas que faziam parte da tecnologia avançada de telecomunicações que a rede usava. Suspeita-se também que o contentor com Aloé Vera que resgatou a Dª Ermelinda tenha feito parte da carga de um navio que a rede da Batalha Naval afundou. "

Sabedoria (ainda) não adquirida [ou isto não é sobre mim]

Quando falamos de coisas de coração que vão mal, o melhor sempre é cortar pela raiz.
Digo eu. Que não tenho disso experiência, mas arrependimento.

terça-feira, setembro 07, 2004

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor um estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny

Cinefobia

Fui ver "Garfield".
Não é mau. É muito pior.

Agradecimento

Alguém veio cá parar via google com "recheio para bolas de berlim".
Em nome da gerência, venho agradecer a confirmação da consistência.

segunda-feira, setembro 06, 2004

Coffee and Cigarettes

Coffee and Cigarettes
Filme de Jim Jarmusch
(EUA, 2003)

Jim Jarmusch é um realizador americano que faz "filmes de culto", de acordo com o flyer, seja lá o que isso for. Mas também é cameraman quando lhe apetece e faz video-clips nos intervalos, para não se aborrecer. Tem no CV filmes desde 1980 e este é o mais recente.
"Coffee and Cigarettes" é um filme em 11 episódios, estruturados em redor de uma mesa onde se bebe café e se fumam cigarros. Montes de café e montes de cigarros. Onde se fala das propriedades da cafeína, ou do tabaco. Ou de coisa nenhuma. O filme é protagonizado por actores e músicos bem conhecidos, que interpretam personagens mais ou menos próximas de si próprios, mas que trazem para o filme os seus nomes verdadeiros. O filme é a preto e branco e tem uma banda sonora que vai dos Funkadelic até Mahler, passando por Iggy Pop ou Tom Waits (dois dos actores, aliás).
Aleatório, podia bem ser a palavra para descrever este filme. Mas tão aleatório, de facto, como uma conversa de café. Que vai desde ser sobre nada até ser tanta coisa que é pouco. A arbitrariedade dos encontros da vida, está sempre marcada pela existência de padrões de xadrez nas mesas, ou nas chávenas, ou no chão dos cafés. Mas está lá sempre.
Alea jacta est, diz Jarmusch. Pronto, digo eu, que não posso dizer muito sobre isto, a não ser o que vi...


Strange to Meet You
Roberto Benigni e Steven Wright falam das virtudes da cafeína antes de adormecer, para se poder sonhar a alta velocidade. E como Roberto tem tempo e Steven não tem vontade, o primeiro oferece-se para ir ao dentista pelo segundo.
Twins
Cinqué Lee, Joie Lee e Steve Buscemi envolvem-se numa discussão para saber qual dos dois gémeos é o gémeo mau. Steve defende que quando há gémeos, um é necessariamente mau. E dá como exemplo a sua teoria sobre o caso de Elvis Presley, cujo irmão gémeo veio a substituir sem que ninguém se tivesse apercebido, e que foi afinal quem o conduziu ao seu fim.
Somewhere in California
Tom (Waits) encontra-se com Iggy(Pop). Como deixaram de fumar, as suas vidas passaram a ter "focus". E como deixaram de fumar, podem fumar quando lhes apetecer. Tom é arrogante e Iggy submisso. Mas não há música de Tom na jukebox, comentário que este toma como uma afronta. "Estás a dizer que o Taco Bell seria mais o teu estilo?", pergunta, provocatório.
Those things'll Kill Ya
Joe Rigano, ao melhor estilo máfia, não aceita que Vinny (Vella) continue a fumar. E que almoce café e cigarros. Vinny esconde o cigarro quando o seu filho mudo chega, para pedir 4 dólares. Regressa com um pacote de especialidades japonesas que Joe abomina. Segundo Vinny, falta-lhe qualquer coisa para apreciar as coisas finas da vida.
Renée
Renée (French) está sentada sozinha a beber um café e a ler um artigo numa revista. O empregado (E. J. Rodriguez) procura desesperadamente oferecer-lhe mais café. Irritantemente. Ela recusa sem perder a paciência e sem perder pitada do seu artigo sobre armas e motas.
No Problem
Isaach (de Bankolé) está muito contente por rever o seu amigo Alex (Descas). Mas este acha que o seu amigo tem um problema, que ele diz não ter. E como não tivessem mais que conversar, Alex decide ir-se embora até que a Isaach apeteça "falar disso", desse problema que não existe.
Cousins
Cate (Blanchet) encontra-se no átrio de um hotel chiquíssimo com a sua prima Shelly (interpretada pela própria Cate Blanchet). Cate é uma actriz de sucesso, perfeita, linda, rica. Shelly é o paradigma da americana que se ficou pelos anos 80, com cabelos à Joplin e botas à cowboy. O encontro é confrangedor para ambas, sobretudo no momento em que Cate oferece a Shelly um saco cheio de produtos de beleza que esta descobre terem sido ofertas.
Jack shows Meg his Tesla Coil
Jack (White) construiu uma máquina de acordo com o modelo de Nikola Tesla. Meg (White) descobre-lhe o problema, quando a máquina deixa de funcionar. Entretanto, ambos se deixam embalar pela definição que Tesla terá dado do mundo: "um condutor de ressonância acústica".
Cousins?
Alfred (Molina) convida Steve (Coogan) para tomar um chá, em LA. Isto para lhe revelar que são primos! Mas Steve não está nada para aí virado, arranja mil desculpas para não dar o número de casa, até que Alfred recebe um telefonema que o faz mudar de ideias...mas aí, já é tarde. É o esplendor britânico a afundar-se qual titanic.
Delirium
GZA e RZA encontram-se para tomar chá de ervas. RZA é especialista em medicina alternativa e acha que a cafeína e a nicotina conduzem ao delírio. O empregado, Bill Murray, aproxima-se. Pergunta-lhes se querem mais café. Fuma um cigarro com eles. Bebe café directamente da cafeteira. Disserta sobre o delírio. E segue o conselho de gargarejar com detergente para o forno, contra aquela tosse de fumador.
Champagne
Taylor (Mead) explica a Bill (Rice) que se sente como naquele Lied de Mahler que diz que alguém se sente como se tivesse abandonado o mundo. Ouve-se o Lied . Evoca-se a teoria de Nikola Tesla, de que o mundo é como um condutor de ressonância acústica. E, finalmente, bebe-se o quase insuportável café como se fosse champagne, para brindar à "joie de vivre".




No fim disto tudo, o New York Times diz que o filme tem o sabor de um velho LP.

Vá...só mais uma vez...

Pois é, lá estou de regresso às aulas.
Entre japoneses, polacas, russas, arménios, brasileiros, mexicanos e peruanas. A braços com esta língua sobranceira, que parece enrolar-se-nos nos r e nos d e nos t, só para mostrar a nossa face ridícula.
A tudo isto, assiste, impávida, uma professora de porte nobre e olho azul, fartíssima cabeleira alva, que nos pede que compremos um dossier e arquivemos as fotocópias cronologicamente. Que custam 4 euros. E nas quais não podemos escrever, porque lhe faz confusão. Devem, portanto, ser acompanhadas da devida folha (pautada) individual. Cadernos não. Isso não. Fica tudo solto e é uma desordem.
Sim, já bem basta a desarrumação sonora...

sexta-feira, setembro 03, 2004

A destruição do Fausto


A maior colecção de edições do "Fausto" de Goethe, bem como inúmeras edições únicas da literatura alemã encontravam-se nesta Biblioteca

Biblioteca de Weimar


A Biblioteca de Weimar antes do fogo de ontem

Sleep III


Bill Viola, Five Angels for the Millenium

Sleep II

Passou-lhe a mão sobre os olhos
sabes? é a mesma boca, o mesmo nariz, a mesma linha das sobrancelhas, os mesmos olhos a dormir, as mesmas mãos só que apagadas
passou-lhe a mão sobre a testa
mas aqui, aqui já não mora ninguém

Sleep

What is more gentle than a wind in summer?
What is more soothing than the pretty hummer
That stays one moment in an open flower,
And buzzes cheerily from bower to bower?
What is more tranquil than a musk-rose blowing
In a green island, far from all men's knowing?
More healthful than the leafiness of dales?
More secret than a nest of nightingales?
More serene than Cornelia's countenance?
More full of visions than a high romance?
What, but thee, Sleep? Soft closer of our eyes!
Low murmurer of tender lullabies!
Light hoverer around our happy pillows!
Wreather of poppy buds, and weeping willows!
Silent entangler of a beauty's tresses!
Most happy listener! when the morning blesses
Thee for enlivening all the cheerful eyes
That glance so brighlty at the new sun-rise.

John Keats (1795-1821)

quinta-feira, setembro 02, 2004

Porque é que detesto estas pessoas


Detesto estas pessoas

[...] não, não, isso foi em 1984, no mês de Maio, salvo erro, e deve ter sido no início porque foi quando a nossa begónia começou a florir, depois de meses a pensarmos que tinha morrido com o frio, foi aquele inverno muito frio, lembras-te?, até tivemos que comprar aquele aquecedor a óleo que está na garagem agora?, pois foi, foi no princípio de Maio de 1984, sim senhora...lembras-te?

e perante o silêncio

[...] que até fomos de férias em Junho, ao contrário do habitual, porque depois desse Inverno frio veio um Verão quentíssimo, lembras-te?, e alugámos aquela casa horrível que só tinha um quarto e uma sala, onde havia baratas e a água tinha pouca pressão? aquela que ficava junto a um larguinho, na aldeia de Foros da Pouca Farinha, que até dissemos que era tão divertido o nome, até baptizámos um cão vadio que ia ao nosso pátio comer os restos de "Farinha", não te lembras? pois foi, foi nesse ano, 1984...

porque:

ontem me perguntaram quantos anos tinha, eu tive de parar, fazer as contas e dizer, em voz alta,

- então, se estamos em setembro de 2003, tenho...

a gargalhada alheia fez-me estremecer. Pensei que me tinha enganado nas contas. Depois puseram-me a par das novidades - estamos mesmo em setembro de 2004...

Se não houvesse casos de Alzheimer na família, prestava-se a uma piadinha, não era?

Máxima da semana

Atracar é o que está a dar!


E está quase a começar...em Outubro, Percursos pelo País


Está quase no fim, MOMA em Berlim

Do coração e da memória [ou isto é perigosamente umbelical]

Às vezes enredo-me nestes jogos de imaginação e faço um exercício impossível: procuro lembrar-me da primeira vez que me lembrei, conscientemente, de alguma coisa. Claro que me lembrei das palavras, quando as procurei pronunciar pela primeira vez. Mas não se trata disso, desses "grafos" no cérebro, que me limitei a repetir até ter circuitos como sendas no grande deserto da minha cabeça... Trata-se antes de procurar a primeira vez em que passando a porta da memória, fui em busca de um recanto qualquer no meu interior. A primeira vez, enfim, que fiz da memória um exercício de recordação.
Isto torna-se perigosamente umbelical. Toca por isso as franjas do ridículo. Mas como dizia alguém, piroso é não ter sentimentos. E é disso que se trata, porque na palavra recordação há "corda", o termo latino de coração. Por isso, o exercício que faço é uma tentativa de chegar ao princípio dos afectos. Mas dos afectos voluntários, se isso existe.
Por exemplo, havia alguém que estava fora do círculo natural do amor familiar e que eu decidi amar. Ou não? Ou que eu decidi guardar como modelo de amor fora da família? Ou que eu subsumi na categoria de amor filial? Ou que me deu o melhor modelo de amor, por não ter um modelo e ter sido esse lugar único que recordo com o coração? Só aí concentro boa parte dos cheiros, das cores, do som de um riso, de que me aproprio, agora só em momentos fugazes, no amor que tem categorias. Não é dessa pessoa que tudo vem: é do espaço dela que vive em mim. Do seu fenómeno na minha infância. Naquele tempo. Primeiro, é uma serenidade imensa, depois a certeza de um "para sempre" de que, porventura, nem ela se lembrará...Mas eu recordo.O exercício continua, estéril como sempre, agora tomando esta recordação como a primeira. Mas não é nunca verdade. Porque antes disso eu já existia - e porque existia, já havia um amor de que nunca me lembrarei. Talvez pertença à recordação dos outros. E talvez isso seja a geração. Ou as gerações.

quarta-feira, setembro 01, 2004

Para o futuro


A Persistência da Memória, Salvador Dali

Conselho

Se podes olhar, vê
se podes ver, repara
Livro dos Conselhos

Uma chave?

Para que perdure a memória viva do horror de que somos capazes
cada dia se inventa o mal.
Talvez a Agustina tenha razão e o nosso seja um coração das trevas.

Inflamações

Há dias em que a natureza humana ainda me consegue surpreender.
Um dia, duas torres, milhares de pessoas.
Uma vez, uma escola. Entre 200 a 400 pessoas.
Não há nada que justifique isto. Nada.
Afinal, que têm os humanos no peito?


Dr. Jay's